quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

A diversidade sexual: escola, formação e práticas educativas

A escola enquanto espaço plural, composta por sujeitos diversos necessita de formas mais democráticas de convivência e de respeito às diferenças. Contudo, segundo dados da Secretaria Especial dos direitos Humanos:

... pesquisas recentemente realizadas, revelam dados significativos em relação à discriminação sofrida por homossexuais em diferentes contextos sociais. No que se refere ao ambiente escolar, não se pode deixar de registrar alguns dados de recente pesquisa feita pela UNESCO, envolvendo estudantes brasileiros do Ensino Fundamental, seus pais e professores, e revelando que os professores não apenas tendem a se silenciar frente à homofobia mas, muitas vezes, colaboram ativamente na reprodução de tal violência. Essa pesquisa, realizada em quatorze capitais brasileiras, também revelou que mais de um terço de pais de alunos não gostaria que homossexuais fossem colegas de escola de seus filhos (taxa que sobe para 46.4% em Recife), sendo que aproximadamente um quarto dos alunos entrevistados declara essa mesma percepção. (UNESCO, 2006).


A valorização da diversidade cultural no contexto escolar possibilita que os sujeitos se vejam refletidos no processo de escolarização e isso implica em escolhas de conteúdos que procure representar democraticamente o interesse de todos os sujeitos envolvidos no ambiente escolar, assim a questão mostra-se ainda mais grave especialmente quando a escola, que deveria ser o espaço para a construção de padrões democráticos, está sendo na maioria das vezes, palco de reações homofóbicas.

A reflexão sobre educação e diversidade não diz respeito apenas ao reconhecimento do outro como diferente. Significa pensar a relação entre o eu e o outro. A escola pode ser entendida como um dos espaços socioculturais em que as diferentes presenças se encontram. Porém, tratar da diversidade no ambiente escolar é muito mais complexo do que pensamos, pois exige um posicionamento crítico e político e um olhar mais ampliado que consiga abarcar os seus múltiplos recortes.

A diversidade sexual nos cursos de formação de docentes

Dados da UNESCO (2006) comprovam que a intolerância e a falta de conhecimento sobre a diversidade de expressão sexual colocam a escola entre os órgãos que merecem atenção sobre a questão, notadamente quando o preconceito parte dos professores e professoras.

A pesquisa “Perfil dos Professores Brasileiros”, realizada pela UNESCO, em todas as unidades da federação brasileira, revelou que para 59,7% dos professores (as) é inadmissível que uma pessoa tenha relações homossexuais e que 21,2% deles tampouco gostariam de ter vizinhos homossexuais. Outra pesquisa, realizada pelo mesmo organismo em 13 capitais brasileiras e no Distrito Federal, forneceu certo aprofundamento na compreensão do alcance da homofobia no ensino básico (fundamental e médio). Constatou-se, por exemplo, que o percentual de professores (as) que declara não saber como abordar os temas relativos à homossexualidade em sala de aula pode chegar a 48%. O percentual de mestres(as) que acreditam ser a homossexualidade uma doença ultrapassa os 20% em muitas capitais”. (UNESCO, 2006)

Tratar das diversas formas de viver as sexualidades na sociedade contemporânea, se caracteriza, sobretudo como um grande desafio, pois trata-se de atravessar conflitos com uma sociedade marcada historicamente por valores machistas e heteronormativos, estes que ainda nos dias de hoje, são proliferados, renegando a multiplicidade de culturas, raças, religiões e orientações sexuais que temos em na sociedade brasileira, fazendo germinar preconceitos e ações discriminatórias às diversidades.

Segundo Tanno (2007), especificamente na formação de professores, o assunto requer uma postura de comprometimento, haja vista que o papel do educador é o de promover a construção de uma ética fundada no respeito e na cidadania, condição básica para a convivência em grupo. Afirma ainda que:

Os docentes devem ser preparados para intervir em todas as situações de preconceitos homofóbicos, de raça, credo e qualquer outro tipo de intolerância, reforçando sempre a dignidade humana e os direitos dos cidadãos. (p.07)


Portando, a formação inicial de docentes, inclusive das séries iniciais, deve se pautar em práticas pedagógicas que levem futuros os professores e professoras a repensarem suas ações frente à cultura homofóbica, devendo-se assim:

Promover uma educação pautada em um programa que vise à formação de profissionais capacitados para a elevação de uma educação afetivo-sexual, que seja capaz de preservar os direitos de cidadania. (Tanno, 2007, p. 07)


É preciso que sejam desenvolvidas abordagens aprofundadas em relação à sexualidade, gênero e diversidade sexual a fim de possibilitar a instrumentalização de educadores que possam através de suas práticas educativas criar condições para a superação de toda forma de preconceito no ambiente escolar, sobretudo a homofobia e o preconceito de gênero, com ênfase no respeito às diferenças, à dignidade humana e na defesa da cidadania.

As propostas curriculares e a educação sexual na formação de professores

Compreender a relação entre diversidade e currículo implica delimitar um princípio radical da educação pública e democrática: a escola pública se tornará cada vez mais pública na medida em que compreender o direito à diversidade e o respeito às diferenças como um dos eixos norteadores da sua ação e das práticas pedagógicas. Para tal, faz-se necessário o rompimento com a postura de neutralidade diante da diversidade que ainda se encontra nos currículos e em várias iniciativas de políticas educacionais, as quais tendem a se omitir, negar e silenciar diante da diversidade.

A inserção da diversidade nas políticas educacionais, nos currículos, nas práticas pedagógicas e na formação docente implica compreender as causas políticas, econômicas e sociais de fenômenos como: desigualdade, discriminação, etnocentrismo, racismo, sexismo, homofobia e xenofobia.

Falar sobre diversidade e diferença implica, também, posicionar-se contra processos de colonização e dominação. Implica compreender e lidar com relações de poder. Para tal, é importante perceber como, nos diferentes contextos históricos, políticos, sociais e culturais, algumas diferenças foram naturalizadas e inferiorizadas, tratadas de forma desigual e discriminatória. Trata-se, portanto, de um campo político por excelência.
Referindo-se a necessidade de compreender a diversidade como base da estrutura social e entendendo que toda a intervenção curricular tem como finalidade preparar cidadãos capazes de exercitar socialmente, criticamente e solidariamente as suas ações, a discussão sobre diversidade sexual nos currículo dos cursos de formação de professores representa uma possibilidade de romper com o processo de homogeneização da humanidade, onde a idéia de evolução e o acúmulo de conhecimentos seria um processo universal e natural das coisas.


Segundo Tanno (2007), a educação sexual deve constituir ponto central nas discussões existentes nos cursos de formação de professores, por entender ser este, um local de propagação da superação a quaisquer tipos de preconceitos e intolerância.É preciso que os cursos de formação de professores derrubem paradigmas voltados para uma cultura conservadora e passem a promover a superação de qualquer atitude de intolerância, procurando assim, entender e “respeitar a diversidade de valores, crenças e comportamentos relativos à sexualidade, reconhecendo e respeitando as diferentes formas de atração sexual e o seu direito à expressão, garantida à dignidade do ser humano”. (PCN,1997).


É necessário apontar que tratar de sexualidade não significa educar o sexual, ou seja, atribuir valores, normas e formas ‘corretas’ de viver a sexualidade e de construir as identidades. Deve-se buscar uma nova construção de currículos e de conhecimentos que superem o ‘natural’, o normal’ e que apontem para novas possibilidades, para um estranhamento daquilo que nos é tido como inquestionável e que busque o questionamento da sexualidade e das identidades de gênero e sexual de forma a ampliar as reflexões sobre os limites que nos são impostos e sobre as possibilidades que são vislumbradas por aqueles/as que se arriscam a ultrapassar as fronteiras.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009


Homossexualidade é crime em 75 países


22-Jun-2007
[ Texto postado em lista LGBT]

A homossexualidade é ainda punida por lei em cerca de 75 Estados. Em muitos países, a condenação pode ir além de dez anos de prisão; por vezes, a lei prevê a prisão perpétua e, nalgumas nações, a pena de morte tem sido efectivamente aplicada.Mas a repressão não é apenas legal e manifesta-se de outras formas: abusos policiais, proibições de manifestações, discriminações diversas perpetradas por organismos do Estado.Num número considerável de países têm havido avanços significativos nos direitos legais da população LGBT (principalmente ao nível do casamento e das uniões de facto). Por outro lado, nalguns países, como é o caso da Polónia, a situação piorou e muito, com o actual governo conservador a encetar uma verdadeira guerra aos homossexuais.Clique no mapa para ver a situação legal da homossexualidade no mundoVeja aqui o relatório da ILGA, de Abril de 2007, sobre Homofobia de Estado no Mundo Clique aqui para ver uma cronologia do avanço dos direitos LGBT no MundoClique aqui para ver alguns factos sobre a situação dos homossexuais na PolóniaAssine a petição internacional "pela despenalização universal da homossexualidade"
Pena de MorteAfeganistão, Arábia Saudita, Iémen, Irão e Sudão

Prisão ou Pena de MorteMauritânia e Paquistão
Prisão superior a 10 anosBahrein, Bangladesh, Barbados, Brunei, Butão, Cabo Verde, Emirados Árabes Unidos, Fiji, Gâmbia, Granada, Guiana, Índia, Jamaica, Kiribati, Malásia, Maldivas, Ilhas Marshall, Maurícia, Nepal, Nigéria, Niue, Papua-Nova Guiné, Quénia, Ilhas Salomão, Santa Lúcia, Seychelles, Singapura, Sri Lanka, Tanzânia, Toquelau, Tonga, Trinida e Tobago, Tuvalu, Uganda, Zâmbia e Zanzibar

Prisão inferior a 10 anosAngola, Argélia, Benin, Botswana, Birmânia, Camarões, Ilhas Cook, Djibouti, Etiópia, Gana, Guiné, Kuwait, Libéria, Líbia, Líbano, Malawi, Marrocos, Moçambique, Namíbia, Nauru, Nicarágua, Omã, Qatar, Samoa, Senegal, Serra Leoa, Síria, Somália, Suazilândia, Togo, Tunísia, Uzbequistão e Zimbabué

Repressão por entidades oficiais
Burundi, Cuba e Egipto

Nota: na Arábia Saudita, Bahrein, Brunei, Irão, Fiji, Malásia, Paquistão e Sudão são previstas, também, punições com agressões físicas.

Locais onde uma pessoa abertamente homossexual não pode ingressar no serviço militar:Estados Unidos da América e Grécia
Nota: Nos Estados Unidos da América há uma política de Don't Ask, Don't Tell onde uma pessoa homossexual pode ingressar no serviço militar desde que não manifeste publicamente a sua homossexualidade, e os serviços do exército não podem questionar a pessoa sobre a sua orientação sexual.

Locais onde pela lei geral é possível que pessoas do mesmo género se casem:
2006, África do Sul 2005, Espanha 2005, Canadá 2004, Bélgica 2001, Holanda

Locais onde pela lei geral a união estável entre duas pessoas do mesmo género é reconhecida legalmente comobrigatoriedade de registo mas com uma lei diferente do casamento civil:
2006, Cidade do México 2006, Irlanda 2006, Eslovénia 2005, Reino Unido 2005, Suíça 2004, Luxemburgo 2003, Áustria 2002, África do Sul (O Tribunal Constitucional obrigou o governo a legislar sobre o Casamento Civil em 2006) 2002, Finlândia 2001, Alemanha 1999, França 1998, Bélgica (entretanto aprovou Casamento Civil) 1998, Holanda (entretanto aprovou Casamento Civil) 1997, Reino Unido (para efeitos de emigração) 1996, Gronelândia 1996, Islândia 1995, Suécia 1993, Noruega 1989, Dinamarca

A Colômbia está em processo legislativo, tendo sido aprovada no Senado o Projecto de Lei 130 em Outubro 2006.

Locais onde pela lei geral a união estável entre duas pessoas do mesmo género é reconhecida legalmente mas sem necessidade de registo prévio:
2005, Nova Zelândia 2005, Andorra 2003, Croácia 2001, Portugal 1998, Suécia 1996, Hungria 1994, Israel

Locais onde é possível pela lei geral que pessoas do mesmo género co-adoptem uma criança:
2006, Islândia 2006, Bélgica 2005, Espanha 2005, Canadá 2003, Holanda
Locais onde duas pessoas do mesmo sexo co-adoptaram uma criança recorrendo à via judicial:2005, Brasil2005, Israel 2006, França

Leis Anti-Discriminaçã o2006, Brasil - Camara dos deputados aprova e encaminha para o Senado a lei 5003/01, que criminaliza a homofobia 2004, Portugal - Constituição 2003, Portugal - Código do Trabalho 2000, República da Irlanda - Lei anti discriminação 1998, República da Irlanda - Código do Trabalho 1996, África do Sul - Constituição 1981, Noruega

Informações recolhidas na Wikipédia

O crescimento da homofobia institucional na Polónia:
1)Segundo a proposta de lei anunciada pelo governo de extrema-direita, será proibida a "promoção da homossexualidade e de qualquer outro desvio de natureza sexual nos estabelecimentos de ensino. Todos os professores que reconheçam a sua homossexualidade não poderão exercer a profissão. O não-cumprimento desta lei levará ao despedimento, à imposição de uma multa e à prisão.
2)A Polónia proibiu as manifestações do Orgulho Gay em Varsóvia, em 2004 e 2005. Recentemente, foi condenada hoje pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por ter proibido um desfile homossexual em 2005, em Varsóvia.
3)Decidiu acabar com a Oficina Governamental para a Igualdade de Género, que desenvolvia programas de promoção a favor dos direitos das minorias sexuais
4)Depois da responsável pelos direitos dos menores na Polónia ter voltado atrás na intenção de investigar uma possível conotação homossexual nos desenhos animados "Teletubbies", recentemente a televisão pública polaca decidiu eliminar uma cena da série de humor da BBC "Little Britain", na qual um pastor homossexual beija um amigo.
5)Nos últimos meses confirmaram- se actos de violência policial sobre a comunidade LGBT em Cracóvia, Gdansk, Lodz, Poznan, Varsovia y Wroclaw.
6)A Polónia foi o segundo país do Mundo com as maiores manifestações (convocadas pelo Fórum da Família) contra a aprovação em Espanha dos casamentos homossexuais, sendo apenas superada pela manifestação de Madrid.

Para saber mais sobre a Polónia leia "El Gobierno Integrista Polaco declara la guerra a la homosexualidad"



Cronologia dos direitos LGBT no Mundo:

1792 - França descriminaliza a prática homossexual entre homens.
1813 - Baviera descriminaliza a prática homossexual entre homens.
1871 - Alemanha criminaliza a homossexualidade através do Parágrafo 175 do Código Criminal.
1929, 16 de Outubro - Um Comité Reichstag vota no sentido de cancelar o Parágrafo 175. A chegada ao poder dos nazis impede que a decisão entre em vigor.
1933 - Dinamarca descriminaliza a homossexualidade.
1937 - O triângulo rosa (O triângulo rosa foi um dos símbolos usados pelos nazis. Indicava quais homens haviam sido capturados por práticas homossexuais) é usado pela primeira vez nos campos de concentração nazistas.
1945 - Após a libertação dos presos dos campos de concentração pelas forças aliadas, os homossexuais lá internados não são libertados, mas obrigados a cumprir pena de acordo com as sentenças proferidas a partir do Parágrafo 175.
1951 - Bulgária descriminaliza a prática homossexual.
1961 - descriminalizaçã o na Checoslováquia e na Hungria.
1962 - Illinois é o primeiro estado dos EUA a remover a proibição de práticas sexuais não-reprodutivas de seu código criminal.
1968 - Canadá remove de sua legislação todas as leis que condenavam as atividades sexuais não-reprodutivas.
1969, 28 de Junho - Os clientes do bar Stonewall, em Nova Iorque, envolvem-se em confrontos com a polícia, em resposta a actos de intimidação. Considerado ponto de partida do moderno movimento pelos direitos LGBT.
1972 - Noruega descriminaliza a homossexualidade.
1973, 15 de Dezembro - A direcção da Associação Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association, APA) procede a uma votação no sentido de suprimir a homossexualidade da lista de doenças mentais. Treze dos quinze membros da direcção pronunciam-se favoravelmente. A decisão será contestada por muitos psiquiatras, que exigem a sua anulação ou a realização de um referendo.
1974, Abril - Um referendo interno promovido pela Associação Americana de Psiquiatria aprova com 58% dos votos a decisão da direcção em retirar a homossexualidade da lista de doenças mentais, tomada no ano anterior.
1982 - Portugal descriminaliza a homossexualidade.
1988 - Israel descriminaliza a homossexualidade.
1989 - Dinamarca institui uniões civis homossexuais que garantem os mesmos direitos presentes no casamento entre pessoas de sexo diferente.
1991 - Hong Kong descriminaliza a homossexualidade.
1992 - A Organização Mundial da Saúde deixa de considerar a homossexualidade como doença.
1993 - Revogado artigo 121º do Código Penal russo, que criminalizava a homossexualidade masculina.
1994 - Alemanha descriminaliza relacionamentos sexuais entre homens cancelando o Parágrafo 175.
1995 - A Associação Japonesa de Psiquiatria deixa de considerar a homossexualidade como distúrbio mental.
2001 - Portugal institui a união civil para casais homosexuais, que vivem há mais de dois anos juntas (conhecida como União de Facto).
2001 - Os Países Baixos legalizam o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.
2001 - A Associação Chinesa de Psiquiatria deixa de considerar a homossexualidade como um distúrbio mental.
2003 - Bélgica legaliza o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.
2004, Maio - Nos Estados Unidos da América, o estado do Massachusetts torna-se o primeiro do país a permitir o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.
2004, Dezembro - Nova Zelândia institui união civil para casais constituídos por pessoas do mesmo sexo.
2005, 5 de Junho - Suíça aprova em referendo nacional lei que institui uniões de facto entre homossexuais, com 58% de votos a favor. A legislação não permite a adopção de crianças ou a possibilidade de recorrer a técnicas de procriação medicamente assistida.
2005, Junho - A Câmara Baixa do Parlamento do Canadá vota a favor do projecto de lei que legaliza o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo em todo o país. Em Julho, o projecto é ratificado pelo Senado.
2005, Junho - O Congresso espanhol aprova lei que abre o casamento civil a casais constituídos por pessoas do mesmo sexo, bem como a possibilidade de adopção de crianças.
2005, 1 de Dezembro - O Tribunal Constitucional da África do Sul declara que é inconstitucional negar o casamento a casais constituídos por pessoas do mesmo sexo e ordena o Parlamento a alterar a lei no prazo de um ano no sentido de permitir o casamento entre homossexuais.
2005, 2 de Dezembro - O Parlamento belga vota na sua maioria a favor de um projecto de lei que permite a adopção de crianças por casais constituídos por pessoas do mesmo sexo.
2005, Dezembro - Celebram-se as primeiras uniões civis homossexuais no Reino Unido, na sequência de legislação aprovada em 2004.
2007 - O Congresso Espanhol aprova uma nova Lei da Identidade de Género, que permite aos transsexuais a mudança legal de identidade e do género com maior facilidade, diminuindo prazos de avaliação médica, entre outros.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

O alienista - algumas impressões

O alienista é um tipo de relato em que os acontecimentos não são estritamente realistas, no sentido da verossimilhança, mas que, a exemplo de uma fábula, ilustram, simbolizam e criticam os valores da sua época.
Simão Bacamarte, médico formado em Portugal, instala-se em Itaguaí, no interior do Rio de Janeiro com o objetivo de estudar a loucura e sua classificação. Ou como ele próprio dizia: "A ciência, é o meu emprego único; Itaguaí é o meu universo”.Vem daí a sua idéia de confinar os loucos num mesmo local. Com apoio da Câmara Municipal, constrói um hospício, designado pelo nome de Casa Verde. Num primeiro momento, Bacamarte confina os loucos mansos, os furiosos e os monomaníacos, isto é, aqueles que a própria comunidade julgava perturbados. Num segundo momento, após muitas leituras e meditações científicas, o Doutor Bacamarte comunica a seu melhor amigo, o boticário Crispim Soares, a idéia de que "a loucura era até agora uma ilha perdida no oceano da razão”; e que ele começava a suspeitar que ela fosse um continente.
A partir de então o alienista (médico de alienados mentais) põe-se a levar para a Casa Verde cidadãos estimados e respeitados em Itaguaí. Pessoas aparentemente ajuizadas, mas que, segundo as teorias do cientista, revelavam distúrbios mentais. O terror se dissemina na pequena cidade. Ninguém mais sabe quem está são ou quem está doido. Atemorizados, os que ainda não tinham sido conduzidos para o hospício tramam uma rebelião.
O barbeiro Porfírio, cuja alcunha era Canjica, passa por cima da Câmara de Vereadores, que não ousa indispor-se com o alienista, e marcha à frente de uma multidão, rumo à Casa Verde. O levante popular - que mais tarde ficaria conhecido como a revolta dos Canjicas - termina em frente ao hospício. O Doutor Bacamarte recebe a massa rebelada com a autoridade e a coragem do grande cientista que julga ser, deixando o povo perplexo com sua serena superioridade intelectual. Nesse momento, chegam a Itaguaí os dragões (soldados) do Rei, para restaurar a ordem. No meio da confusão, os dragões acabam aderindo aos revoltosos e a revolução triunfa, tendo o barbeiro Porfírio como chefe.
Em seguida, Porfírio procura o Dr. Simão Bacamarte e diz que não pretende mais destruir o hospício. Que bastava uma revisão nos conceitos de loucura do médico, liberando os enfermos que estavam quase curados e os maníacos de pouca monta. Que isso bastaria ao povo. O alienista ouve o barbeiro, fazendo-lhe algumas perguntas sobre o que tinha acontecido nas ruas e conclui que também o líder dos Canjicas estava louco, assim como aqueles que o aclamavam. Em cinco dias, o Doutor Bacamarte mete na Casa Verde cerca de cinqüenta adeptos do novo governo, gerando outra grande indignação popular, que só termina quando entra na vila uma força militar, enviada pelo vice-rei.
A partir daí há uma "coleta desenfreada" para o hospício. Quase ninguém escapa. Tudo é loucura para o Doutor Bacamarte. O barbeiro, o boticário Crispim, o presidente da Câmara e a própria esposa do alienista, Dona Evarista, são recolhidos para tratamento. Quatro quintos da população de Itaguaí já estavam "agasalhados" no seu estabelecimento, quando o médico volta a surpreender a vila, anunciando ter concluído que a verdadeira doutrina sobre a loucura não podia ser aquela e sim a oposta. Ou seja, todos os que até ali tinham sido considerados loucos eram sãos; e os sãos, loucos.
Loucos agora são aqueles que gozam de perfeito e ininterrupto equilíbrio mental. Os que têm retidão de sentimentos, generosidade, boa-fé, inclusive o padre Lopes, que sempre defendera o médico, ou um advogado que "possuía um tal conjunto de qualidades morais que era perigoso deixá-lo na rua”.Os novos alienados mentais são divididos por classes. A dos modestos, a dos tolerantes, a dos sinceros, a dos bondosos, etc.
Assim, em seu processo de cura, o Doutor Bacamarte pode "atacar de frente a qualidade predominante de cada um". O modesto aprende o valor da vaidade; o generoso, o valor do egoísmo; o honesto, o valor da corrupção. Nunca doenças mentais tinham sido curadas tão rapidamente. Antes de um ano, todos os pacientes recebem alta. Itaguaí está livre da loucura.
Porém, no final de tudo, o alienista dá-se conta de um fato terrível: ele, Simão Bacamarte, não possuía vigor moral, amor à ciência, sagacidade e lealdade? E estas não eram as características de um verdadeiro mentecapto? Portanto o último louco da vila é ele mesmo. Então, o alienista tranca-se na Casa Verde, em busca da cura de si próprio, morrendo dezessete meses depois, "no mesmo estado em que entrou".
Com a leitura de O Alienista pode-se perceber claramente que Machado faz uma sátira ao cientificismo vigente nas duas últimas décadas do século XIX. A pretensão do Doutor Simão Bacamarte de classificar a mente humana e de estabelecer critérios rígidos sobre a sanidade mental das pessoas é ridicularizada impiedosamente. A Ciência confunde-se com empulhação e com a possível demência do próprio alienista.
A base cultural e histórica do Realismo é a ciência, que dominou as atenções na Segunda metade do século XIX, chegando mesmo a adentrar no século XX. Varreu o mundo uma onda impetuosa de materialismo, como o positivismo de Conte, o evolucionismo de Darwin, que se alastra pelo espírito humano como uma verdadeira paixão. Nasce daí o gosto pela análise (psicológica ou sociológica), a objetividade, a observação, a fidelidade, a impassibilidade, a impessoalidade, etc. que são as características dominantes no Realismo.
Neste sentido, pode-se dizer que o Realismo foi um estilo engajado-vetado para a realidade, assumindo uma atitude polêmica e crítica em relação à sociedade burguesa de então e aos valores apregoados pela época. Em suma, como chegou a afirmar Eça de Queiroz, "o Realismo é a anatomia do caráter. É a crítica do homem. É a arte que nos pinta a nossos próprios olhos – para condenar o que houver de mau na nossa sociedade”.
A sátira do conto, no entanto, não se volta apenas contra a ciência. Está patente também no livro a figura do barbeiro que encarna a figura dos chefes políticos. E dos ápices de ironia e sarcasmos cheio de humor a passagem em que Machado de Assis narra a tomada do governo pela força das circunstâncias, quando se invertem os papéis de modo ridículo e cômico
Embora no século passado, a obra machadiana se revela sempre atual, visto que a problemática apresentada pelo autor tem sentido universal: são os eternos problemas humanos que Machado, na sua visão aquilina, analisa de maneira profunda e pungente. "E vão assim as cousas humanas!" – exclama ele no cap. XI. As coisas humanas de qualquer época, porque as verdades patéticas e pungentes que envolvem a espécie humana não envelhecem. Talvez envileçam. Os séculos correm e é sempre a mesma loucura, numa repetição cada vez mais acelerada e alucinante.
Não será a Psiquiatra ou a Psicanálise moderna uma réplica da Ciência do Doutor Bacamarte? Será que a Casa Verde caberia os loucos do mundo atual!
E o barbeiro? Não encarnaria nele as pretensões políticas de tantos regimes que alastram pelo mundo, sobretudo na nossa malfadada América Latina? Há tantos exemplos de governos que sobem e descem como o barbeiro.
Como se vê, O Alienista é de uma flagrante atualidade. Não somente realidade brasileira ou mesmo baiana, mas sim se pode dizer que Itaguaí é apenas uma metonímia: na verdade, o fenômeno é universal, - o que parecia "uma ilha" era, na verdade, "um continente", como começava a suspeitar o Doutor Bacamarte.
Por trás da sátira machadiana, escondem-se os eternos e pungentes dramas humanos: é o homem na sua caminhada pela vida fora, numa corrida louca e insensata. Mais do que uma história, O Alienista é uma interpretação condensada na angústia do homem em face de sua condição de alienado na terra onde vive e sua prisão apenas desfeita pela morte ou pela loucura impiedosa. É o problema do homem de sempre em face das mesmas interrogações; que é certo que não é? A verdade? Quem está isento? Que vale, que não vale?
A maneira como Machado de Assis narra os fatos é bastante humorística dentro do contexto da obra. O episódio de Itaguaí, sem dúvida, não desmente as nossas tradições políticas e revolucionárias. Nem mesmo desmente as tradições do povo latino-americano. Estão aí os exemplos atuais: quase que diariamente se vê governo que cai e outro que sobe nos países latino-americanos. E o pior é que, muitas vezes, o poder cai nas mãos de mentecaptos, como esse barbeiro do conto, que pouca coisa entende além da navalha e da barba. Levados pela ambição do poder e pelas circunstâncias do momento, se elegem como ditadores vitalícios em defesa dos ideais democráticos e da ordem, em manobras rápidas e fulminantes, em que muitas vezes acabam por resultar em governos catastróficos, onde o povo apenas sofre.
Segundo o mestre Aurélio Buarque de Holanda, louco é aquele que perdeu a razão; alienado; extravagante; demente; que perdeu o bom senso e está dominado por intensa paixão. E a loucura seria a falta de discernimento, a insensatez, a imprudência ou simplesmente tudo o que foge às normas, que é fora do comum.
De acordo com definições tão amplas paremos a nos questionar: o que é a loucura? Quem são os loucos dos nossos dias? Como identificá-los? Quais são os comportamentos considerados normais pelas convenções sociais? É normal se convencionar comportamentos e classificá-los em compartimentos estanques da mesma forma que convencionamos o nome das coisas? O que justificaria dizer que você está lendo um jornal e não um livro? O alienista é o especialista em doenças mentais, atualmente mais conhecido como psiquiatra. Mas como delimitar a tênue linha que separa o sensato do insensato?
Seria loucura apresentar deformidades físicas e debates histéricos em programas de televisão. O que as pessoas fazem hoje em nome do entretenimento? Queimam um semelhante vivo, assistem a programas de televisão onde outros se digladiam para ganhar um mísero cachê ou por pura inocência.
O que é mais assustador é o índice de audiência de tais programas. É normal um aluno passar o ano inteiro estudando na turma específica de saúde e ao final do ano prestar vestibular para Direito, só porque é um curso concorrido? A visão profética de Machado de Assis sobre a espécie humana se revela válida e sempre atual. O fenômeno, igualmente, não é brasileiro, nem mesmo latino-americano. O fenômeno é, sem dúvida, universal.
Percebo muita semelhança entre características do Realismo, como a preocupação de mostrar a realidade, formando-lhe um retrato fiel e preciso, com a teoria critica, uma vez que essa, busca através da reflexão, da analise da realidade, traçar um perfil da sociedade em que vivemos, identificando possíveis caminhos a serem tomados, instigando através dos seus autores os indivíduos a posicionarem-se diante dos fatos.
Compreendo que hoje ainda vivemos essa luta entre a razão e a loucura narrada por Machado, ainda hoje os homens não tem muito discernimento ou atitude para se desvencilhar das armadilhas que lhes são impostas por outros homens, ainda vemos por exemplo, a manipulação das mentes, com o advento do neoliberalismo então, temos uma sociedade cada vez mais esvaziada de valores e conceitos importantes para o bom desenvolvimento da coletividade humana.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

ALUNOS DISCRIMINAM NEGROS, POBRES E GAYS

Pesquisa realizada pelo governo revela que o ambiente na rede pública de ensino do DF é dominado pela intolerância. Mais da metade dos alunos presenciaram cenas de discriminação por cor. Cerca de 60% testemunharam preconceito sexual e 42% já viram colegas serem insultados pela pobreza.

Mais da metade dos alunos presenciam discriminação nas escolas públicas
Erika Klingl - Correio Braziliense e Diego Amorim - Correio Braziliense
Publicação: 27/10/2008


Aluno da 7ª série do ensino fundamental, Rafael* é negro. “Só que um dia o professor chamou ele de preto de sangue ruim. Daí, ele nunca voltou para a escola”, conta o colega de turma do adolescente. “É comum eu ouvir: ‘Olha, ela veio com a mesma roupa de novo.’ E eu finjo que ignoro”, desabafa uma menina do 1º ano do ensino médio. “Aqui, se a pessoa tiver um jeito estranho já é gay e acaba sendo zoada”, afirma Carolina*, da 8ª série. Em comum, essas histórias têm o cenário — salas de aula da rede pública de ensino — e o preconceito.

“A escola é um ambiente cheio de conflitos, o que não é ruim. Mas quando eles não são mediados de forma adequada acaba resultando em violência, mesmo que simbólica”, explica a socióloga Miriam Abramovay, responsável por uma pesquisa que, pela primeira vez, diagnosticou a violência da rede pública de ensino no DF. O levantamento, feito com mais de 11 mil pessoas, entre alunos e professores, abordou o problema nas escolas de 5ª a 8ª séries do ensino fundamental e no ensino médio. A análise reflete um universo de mais de 186 mil estudantes e outros 20 mil docentes. Os dados relacionados ao preconceito são assustadores.

Nada menos que 55% dos estudantes já viram discriminação nas escolas por causa da cor e quase 13% contam que sofreram. Em números absolutos, isso representaria 24 mil adolescentes. Mas o que mais chamou a atenção dos pesquisadores foi a discriminação por causa da pobreza, sentida por 6,1% dos estudantes e vista de perto por 42%. “A gente não imagina que os números sejam tão altos”, observa Miriam. Nas entrevistas, ela ouviu expressões que a chocaram. “Assentamento Haiti é nome de rua de Santa Maria. Churrasquinho é apelido de negros.” Para a educadora Beatriz Castro, o fato preocupa. “Fica a dúvida se a escola cumpre o papel de formar cidadãos”.

Desmaio

Quando o assunto é preconceito por ser ou parecer homossexual, os casos são ainda mais freqüentes: 63% dos alunos dizem que já viram discriminação. Dos estudantes do ensino médio, 4,3% já sentiram na pele a discriminação. Maurício* foi um deles. Tanto ouviu que um dia não agüentou tanta zombaria. Durante a apresentação de dança na feira cultural do Centro de Ensino Médio 3 de Ceilândia, duas semanas atrás, até tentou abstrair os xingamentos que ouvia, os gritos de veado e baitola. Mas, quando acabou a música, desmaiou. “Ele já estava nervoso. Com o povo zoando, ficou mais ainda. Aí desceu do palco, foi andando até o fim do auditório e caiu”, descreve um aluno da 7ª série. O episódio ainda é comentado entre os estudantes. Maurício, segundo a turma, é homossexual assumido.

Os que gostam de ser os “malandrões” do colégio são os que mais zoam os colegas. Para sustentarem o status, costumam atingir os mais fracos, os negros, os gordos, os mais pobres, os baixinhos. Agridem com palavras, comentários, risadas. “O pessoal fica mangando de mim direto, me chamando de ‘limpador de aquário’, essas coisas. Mas deixo quieto. Um dia ou outro eles vão cair na real”, diz um garoto de 14 anos, 1,51m de altura, aluno da 8ª série do Centro de Ensino Fundamental 4 de Ceilândia. Na cidade em que mora e estuda, os xingamentos já foram ouvidos por 42% dos estudantes. Isso porque Ceilândia está longe de estar entre as piores. De acordo com a pesquisa, em Brazlândia e Santa Maria, metade dos estudantes costumam sofrer violência desse tipo.Auto-estima e 14º salário.

Para melhorar as relações entre professores e alunos das escolas, o governo aposta em duas estratégias. A primeira é o investimento na auto-estima dos docentes e na satisfação pessoal. Para isso, implementa, desde o início do ano, o plano de cargos e salários da categoria — que privilegia tempo de serviço, títulos e merecimento. Além disso, o governador José Roberto Arruda criou o 14º salário, que será pago a partir de 2009, para os professores e servidores que trabalham nas escolas que cumprirem metas de qualidade de ensino e gestão.
No combate à discriminação nas salas de aula, a estratégia é incluir os temas relacionados às minorias nas matérias ensinadas nas escolas. “A história da África, por exemplo, pode fazer parte do conteúdo de português, geografia, história, sociologia”, explica a secretária-adjunta de Educação, Eunice Oliveira. Os conceitos são passados, de acordo com ela, de forma transversal, ou seja, permeando a teoria. “O mesmo pode ser feito com outras temáticas ligadas aos direitos humanos.” (EK e DA)


Prejuízo claro ao aprendizado

A insegurança no ambiente escolar reflete no bem-estar de todos os personagens do sistema de ensino. Os números são alarmantes. Por parte dos professores, 43% afirmam que não se sentem respeitados, ao passo que 38,7% dizem ter espaço para dizer o que pensam. E o pior: 79% declaram que não se sentem realizados profissionalmente. É só acompanhar a história de um professor de Brazlândia que pediu para não ter o nome divulgado para entender o que significam os indicadores. O quadro de saúde dele se agravou depois de ser alvo de agressões de alunos. Ele sofre de pressão alta, toma remédio controlado e, por isso, anda meio sonolento.
Em um dia de prova, depois de distribuir as questões, o professor não suportou o cansaço e dormiu na carteira. Alguns alunos não perdoaram: o xingaram de gordo, lerdo, careca. O professor chorou, passou mal e saiu da sala. “Fazem isso para chamar atenção da turma. Para o pessoal comentar: ‘Olha, ele enfrenta até o professor’”, comenta uma aluna de 16 anos, do 1º ano.


No ano passado, outro professor, dessa vez do Centro de Ensino Médio 417, de Santa Maria, encontrou motivos para se sentir insatisfeito no ambiente de trabalho. Uma aluna não gostou de ter sido repreendida por ele e apelou. Pegou a mesa e, descontrolada, jogou-a em direção ao docente. Ela foi expulsa, mas, segundo estudantes do colégio, já voltou à sala de aula. Na mesma escola, ainda no ano passado, outro professor levou um tapa em sala. O agressor também reagiu a uma repressão. “A gente já se acostumou com esse ambiente. Tem que acostumar”, comenta uma estudante de 14 anos, do 1º ano. “Mas para quem está de fora, ouvir esse tipo de coisa deve ser estranho mesmo”, completa a colega de turma dela, de 16 anos.

Ambiente pesado

As ofensas e agressões, que muitas vezes são físicas, pesam no aprendizado. A percepção é de professores e alunos: 42% dos estudantes reconhecem que o clima de violência reduz a qualidade da aula e quase 40% admitem dificuldade em se concentrar. Fora os 39,8% que não sentem vontade de ir à escola. Entre os professores, os índices de resposta a essas perguntas foram maiores: 71% acreditam que, com a violência, o ambiente da escola fica pesado; 67,6% afirmam que a qualidade das aulas diminui; 64,8% acreditam que os alunos não se concentram nos estudos e 55,1% dos professores afirmam que os alunos não sentem vontade de ir à escola devido à violência. (EK e DA)

*Nomes trocados para proteger os alunos

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

PERCEPÇÕES DA PRÁTICA EDUCATIVA EM RELAÇÃO À HOMOSSEXUALIDADE NO MEIO ESCOLAR[1]




Taisa de Sousa Ferreira[2]
taysynha18@gmail.com



O presente trabalho refere-se a um estudo realizado sobre a compreensão e a prática pedagógica de professores em relação à homossexualidade. Tal estudo objetivou discutir a formação docente acerca das questões que envolvem a diversidade sexual. Para tanto, buscou verificar como a homossexualidade era considerada/discutida numa escola pública de Feira de Santana, buscando verificar se (e de que forma) os professores contribuíam para a perpetuação do preconceito ou para o respeito às diferenças relativas à sexualidade. A pesquisa realizada demonstrou que apesar de se caracterizar como algo importante, a discussão da homossexualidade nas escolas, ainda hoje é quase inexistente. Assim, no sentido de ressaltar a importância de que posturas sejam repensadas no espaço educacional, o presente estudo apresenta discussões sobre a diversidade cultural, a sexualidade na escola e as construções do gênero e da sexualidade enquanto questões sociais urgentes, além de uma abordagem sobre as bases legais que fundamentam o trabalho com a diversidade sexual.


Palavras - chave: Homossexualidade, diversidade sexual, práticas educativas, escola.


INTRODUÇÃO

A instituição escolar tem o papel fundamental de proporcionar ao indivíduo um ambiente favorável para a aprendizagem, de modo que ocorra o desenvolvimento das condições intelectuais, bem como a construção de uma cidadania crítica e solidária. Constitui, no imaginário coletivo, o espaço privilegiado para formação da criança, do adolescente e do jovem. Seu papel é entendido como devendo ir além da socialização do conhecimento. Dela se espera também que socialize hábitos de relações intersubjetivas de paz, que ao se entrelaçarem no tecido social, confiram sustentação ao exercício dos direitos e deveres no convívio dos indivíduos e das comunidades.

Segundo Andrade (2004), evocando os Parâmetros Curriculares Nacionais, a prática administrativa e pedagógica do sistema de ensino está sob a proteção de três recomendações: estética da sensibilidade, política da igualdade e a ética da identidade. Nesse sentido, a escola enquanto espaço de formação necessita incorporar no seu espaço a discussão acerca da diversidade da cultura humana, a fim de não reforçar a exclusão das minorias.

Na sociedade contemporânea, num contexto em que o conhecimento cientifico e tecnológico é cada vez mais valorizado, em que a força de trabalho esta cada vez mais dividida, e os interesses capitalistas determinam em muitas instâncias a forma de viver dos sujeitos, cabe à educação, formar cidadãos críticos que sejam capazes de transformar sua relação com o meio social, num determinado contexto de relações entre grupos e classes sociais.
Segundo Gadotti, citado por Fernandes (2005):


[...] a diversidade cultural é a riqueza da humanidade. Para cumprir sua tarefa humanista, a escola precisa mostrar aos alunos que existem outras culturas além da sua. Por isso, a escola tem que ser local, como ponto de partida, mas tem que ser internacional e intercultural, como ponto de chegada. [...] Escola autônoma significa escola curiosa, ousada, buscando dialogar com todas as culturas e concepções de mundo. Pluralismo não significa ecletismo, um conjunto amorfo de retalhos culturais. Significa sobretudo diálogo com todas as culturas, a partir de uma cultura que se abre às demais (p.67).


Assim, a escola não pode se calar em face do contexto plural, multicultural das sociedades onde se insere, nem face às implicações éticas de suas formulações na formação de cidadãos. O educador deve enxergar as escolas como locais econômicos, culturais e sociais que estão interligados às questões de poder e controle, as quais através de sua prática pedagógica devem dar condições aos seus alunos para que estejam criticamente atentos à origem histórica e socialmente construída dos seus conhecimentos e experiências.

As questões do multiculturalismo, de etnia, de gênero, da identidade, do poder, do conhecimento, da ética e do trabalho, não podem ser ignorados pelos educadores, pois os mesmos exercem um importante papel na definição do significado e do objetivo da escolarização, sobre o que é ensinar, sobre a forma de que os estudantes devem ser ensinados para viver num mundo que a cada dia é mais percebido como espaço de disputa.

Como afirma Louro (1999),
a escola é uma entre as múltiplas instâncias sociais que exercitam uma pedagogia da sexualidade e do gênero, colocando em ação várias tecnologias de governo. Esses processos prosseguem e se completam através de tecnologias de autodisciplinamento e autogoverno exercidas pelos sujeitos sobre si próprios, havendo um investimento continuado e produtivo desses sujeitos na determinação de suas formas de ser ou "jeitos de viver" sua sexualidade e seu gênero.

Por compreender a escola como um dos mais importantes locais no que diz respeito ao convívio social da criança e do adolescente, por ser um lugar em que se aprende sobre a cultura das diversas sociedades, enfim por entender que a principal responsabilidade da escola é formar cidadãos, fazendo-os reconhecer sua identidade, avaliando que para cumprir seu papel de educar, ela precisa respeitar a todos, sendo assim não deve isentar-se de favorecer a construção de determinados valores nos seus alunos para que as práticas de convivência social, na família, na escola, no trabalho ou em locais de lazer sejam as melhores possíveis, considerando que em relação à homossexualidade há ainda muitos preconceitos e entendendo a instituição escolar como reflexo da vida cotidiana, mas também como local de múltiplas transformações, esse estudo buscou construir um olhar sobre como à diversidade sexual vem sendo tratada no cotidiano escolar.

Trata-se de um estudo envolvendo estratégias metodológicas qualitativas, realizado em uma escola de ensino fundamental e médio em Feira de Santana. Na primeira etapa, foi apresentada a proposta de estudo aos docentes da escola (objeto de estudo), depois foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com quatro docentes, cujos resultados embasaram a construção um olhar acerca da maneira como a diversidade sexual e a sexualidade são trabalhadas no ambiente educativo escolhido.

Neste artigo é apresentado um panorama da prática educativa e da compreensão dos docentes de uma escola pública de Feira de Santana em relação à homossexualidade. Pretendeu-se, portanto, verificar como a homossexualidade era considerada/discutida, buscando verificar se (e de que forma) os professores contribuíam para a perpetuação do preconceito ou para o respeito às diferenças relativas à sexualidade.


MÉTODO

O contato com o colégio objeto de pesquisa iniciou-se através da vice-diretora do turno matutino do colégio escolhido, a qual intermediou o contato com professores da unidade escolar. Na perspectiva de conhecer possíveis ações pedagógicas e curriculares no cotidiano escolar em relação à homossexualidade, a proposta do estudo (a descrição do tema e do objetivo da pesquisa) foi apresentada individualmente aos professores e a seguir foram marcadas entrevistas com os interessados.

Foram entrevistados quatro professores (dois homens e duas mulheres) com faixa etária entre 23 e 45 anos, dois ocupantes do cargo de vice-diretor, formados nas áreas de Matemática, Física, Geografia e Ciências Biológicas, docentes de uma escola pública de médio porte que atende ao ensino fundamental e médio, localizada no Conjunto Feira VI, em Feira de Santana. A decisão de escolher dois professores de cada sexo sustenta-se no objetivo de perceber os diferentes olhares e práticas de acordo com o gênero do docente, buscando fazer uma breve comparação com a pesquisa da Unesco sobre juventudes e sexualidades.

Os dados foram produzidos mediante o dialogo informal, a realização de entrevistas semi-estruturada e o preenchimento de questionário. Foram realizadas três entrevistas registradas em áudio e o preenchimento de um questionário.
[3]

No momento da realização das entrevistas foi enfatizado pela pesquisadora, que o nome de cada participante seria mantido em sigilo, ou seja, seriam substituídos por nomes fictícios. Foi esclarecido, também, que não eram esperadas "respostas certas" por parte dos (as) participantes, mas sim as suas opiniões e posicionamentos pessoais em relação às questões abordadas.

Foi elaborado, inicialmente, um quadro com todas as entrevistas realizadas. Tal quadro consistiu na realização de comentários sintéticos e na transcrição das entrevistas, foram selecionados trechos considerados interessantes ou significativos das entrevistas. Buscou-se, na transcrição das entrevistas, integrar às verbalizações os elementos paralingüísticos
(como, por exemplo, a ênfase em certas palavras), visando o enriquecimento da análise e possibilitando uma maior compreensão da dimensão metacomunicativa (relacional) presente no momento da entrevista.

A análise das entrevistas buscou, nas narrativas dos (as) participantes, evidenciar compreensão e a prática pedagógica de professores em relação à homossexualidade, procurando visualizar a formação docente à cerca das questões que envolvem a diversidade sexual, e verificar se (e de que forma) os professores contribuem para a perpetuação do preconceito ou para o respeito às diferenças relativas à sexualidade. As análises foram orientadas a partir das seguintes categorias temáticas: (a) a formação do professor, (b) a compreensão sobre o papel do educador, (c) a homossexualidade, (d) o preconceito, (e) o trabalho em sala de aula envolvendo a discussão acerca da homossexualidade.


RESULTADOS E DISCUSSÃO

O estudo realizado demonstrou que apesar de se caracterizar como algo importante, a discussão da homossexualidade nas escolas, ainda hoje é quase inexistente. O papel que a escola tem assumido perante a homossexualidade e as situações que a envolvem, tem sido do ocultamento, o da omissão ou negação.

O preconceito é um fenômeno que apresenta sua gênese no universo simbólico da cultura, nas relações de poder que atravessam as diversas instâncias da sociedade, apresentando, portanto, uma dimensão coletiva. Por outro lado, considerando a gênese social do desenvolvimento individual, o preconceito traz implicações no plano das interações sociais e no plano subjetivo, na forma como o sujeito vivencia, em termos cognitivos e afetivos, as suas experiências cotidianas, organiza a sua compreensão sobre si mesmo e sobre o mundo social em que está inserido.

A negação assumida pelas instituições escolares é profundamente ofensiva aos homossexuais, visto que para eles, sua aparente não-existência na escola e o silêncio estruturado em torno de sua identidade sexual contribuem para que os mesmos só se reconheçam como indesejados ou desviantes.

Além disso, constatou-se a existência de discriminação e preconceito contra homossexuais na escola e sua manifestação através de diversas formas. Podemos afirmar, inclusive, que esta constatação é o denominador comum de todas as entrevistas realizadas.

Foram relatados apenas conflitos nas relações entre alunos, nenhum docente afirmou ter vivenciado ou visto conflito nas interações entre professor e aluno. Vale ressaltar que a maioria das situações relatadas estaria relacionada a violências verbais para com os/as alunos as) considerados homossexuais

Os entrevistados afirmam que o preconceito pelos jovens se dá em função de questões culturais em especial pelo não estimulo e não ensino do respeito ao outro na educação. Observemos as falas:

“Na nossa sociedade, o menino foi criado desde bebê para ser o homem ser macho e mulher para ser fêmea, você nunca dá para sua filha de um ou dois anos, uma bola, você não dá boneca ao seu filho. Você não enche seu filho de bichinho de pelúcia. Para a menina, você compra o quartinho rosa e você arruma em azul o do menino, e o da menina rosa, você é criado para ser sexos separados. Homem é homem, mulher é mulher, quando ele se depara, onde homem faz o papel de mulher, há um choque e ai todo esse motivo desse preconceito, e outro detalhe importante, enquanto seres humanos, nós não somos educados, principalmente na fase da infância a respeitar as escolhas dos outros, nós somos criados para ser egoístas”. (Clemente)


Na fala do professor Clemente vemos sua compreensão acerca da existência do preconceito. Para ele, principalmente quanto à forma como é construída a identidade de gênero na nossa sociedade, e como os homens e mulheres têm seus papeis separados, são elementos determinantes para que o preconceito faça parte do cotidiano dos seres humanos.

A professora Nádia diz que:

Eu acho que isso passa por uma questão ainda de formação, em geral o jovem não é educado para ser sensível, então quando ele descobre que um colega dele é homossexual, para ele é um choque, porque ele não foi criado para isso. Precisamos de uma cultura de educação voltada para o respeito mutuo de todos. Esse preconceito que vemos é cultural, contra o branco, o negro, o homem, a mulher, isso foi largamente desenvolvido, há alguns anos vem sendo melhorado né, mas ainda tem muita coisa a ser feita.

Em geral, os professores demonstraram discordar de praticas preconceituosas, destacando a importância do respeito ao outro, do respeito à diferença, mas em alguns momentos pode ser percebido algumas concepções que evidenciam o preconceito disfarçado. Tomemos como exemplo a fala do professor Clemente:

“há alguns bons anos atrás, era um tabu muito grande, então você tinha uma sociedade que reprimia que condenava até certo ponto essa “marginalização” do ser humano homossexual. Nos últimos 10 a 15 anos, a sociedade passou a entender que, a comunidade homossexual é grande, ela é economicamente ativa, há interesses financeiros, interesses políticos, interesses diversos, e passaram a aceitar essa comunidade, como sendo algo que você realmente não tem mais como fingir que não existe [...] hoje há uma grande abertura, de certa forma, não sei se favorável ou não, você vê toda novela, todo programa de tv, existe o caso do homossexualismo, como sendo algo normal, aceito, compreensível, nada demais, e isso pode estar fazendo com que muitos jovens que antes tinham essa predisposição reprimida, hoje eles estão aflorando assim de forma alarmante e de certa forma preocupante. Porque você tem um jovem que ele não tem uma formação moral ainda muito cedo não tem a formação psicológica adequada, e ele se encaminha por esse caminho, eles vão e muitas vezes pela falta de experiência, porque alguém chamou, porque alguém indicou, lhe deu um pouco do carinho que falta em casa, essa atenção, esse cuidado, então é um problema, acho muito grave, reprimir como se reprimia há 40 anos atrás. Não se pode mais. Mas talvez se incentivar essa cultura, como eu acho que esta sendo incentivada, talvez não seja o caminho, a gente precisa muito discutir sobre isso, analisar e ter realmente ter uma cautela no trabalho”. Clemente – nome fictício [ grifos meus]

É interessante notar que na mesma medida em que ressalta a importância de um despertar da sociedade para a existência dos homossexuais como sujeitos constituintes da mesma, como sujeitos possuidores de uma história, o professor Clemente demonstra certo receio, preocupação no que diz respeito à ampliação da discussão acerca da homossexualidade na sociedade e as conseqüências e sutilmente expõe seu preconceito.

Britzman citada por Louro (1997) afirma que:


Muitas pessoas têm medo de que a mera menção da homossexualidade vá encorajar práticas homossexuais e vá fazer com que os jovens se juntem as comunidades gays e lésbicas (p.138).

A autora diz ainda que a preocupação, exemplificada na fala do professor Clemente, reflete a idéia de que a simples discussão vai promover recrutamento de jovens inocentes ao mundo homossexual. A impressão é a de que o não saber sobre o tema seria talvez uma garantia de que o (a) estudante irá “preferir” ser heterossexual

Em momentos de conflitos, muitos educadores, apenas observam as situações sem discutir ou tentar viabilizar através de sua pratica educativa soluções que envolvam instrumentos que viabilizem mudanças de postura no que diz respeito ao comportamento preconceituoso.
Martins (2001) afirma que os educadores tendem a defender condutas que condizem com os comportamentos considerados aceitáveis pela sociedade, muito embora a maioria dos professores concorde com a introdução de temas contemporâneos no currículo, tais como prevenção às drogas, saúde reprodutiva, muitos continuam a tratar a homossexualidade como doença, perversão ou deformação moral. Dizem lidar com a questão da homossexualidade de maneira natural, dizendo encarar a expressão sexual dos estudantes como um fator natural, mas na realidade buscam disfarçar o preconceito.

O preconceito disfarçado pode ser observado, por exemplo, na fala do professor Juremar quando questionado sobre sua compreensão acerca da existência da discriminação a homossexualidade:

Uma serie de coisas não se muda em dez anos ou cinco anos, você tem que levar sei lá toda uma geração e mais gerações, fazer um trabalho lento, muito lento, para mudar toda uma estrutura de vida, ta sendo alterado graças a deus, mas ainda falta muito, a mesma coisa com o preconceito com homossexualismo, hoje você já consegue ver digamos assim...um homossexual na rua e não se espantar, né... antigamente você via e se espantava, hoje você vê que o numero de homossexuais está crescendo muito...não é porque eles não existiam, hoje eles já se dão ao direito de se expressar seus sentimentos”. [grifos meus]

Depreende-se, pois, que, apesar de julgar importante a perspectiva de mudança da postura na sociedade em relação aos homossexuais, o professor coloca a homossexualidade como algo fora do normal.

De modo geral, pôde ser observado que quando os professores decidem falar sobre homossexualidade, fazem de maneira superficial e pouco influenciam a maneira que os adolescentes encaram suas questões e conflitos.

Quando perguntados se discutem ou já discutiram temas associados à sexualidade ou a homossexualidade nas suas aulas, os professores deram o seguinte depoimento:

“Não, pois não faz parte dos conteúdos da minha disciplina” (Juremar – professor de física).

“Muito pouco, e de forma informal com um pequeno grupo, porque não é de minha formação, da minha disciplina” (Clemente – professor de matemática).


Dois aspectos podem ser destacados no depoimento dos entrevistados: o entendimento dos mesmos de que por atuarem com disciplinas da área de exatas a discussão acerca da homossexualidade não pode ser abordada nas suas aulas; e a utilização da conversa informal como medida pedagógica para evitar a discriminação.

Observa-se na reflexão dos entrevistados, que tanto o professor Juremar quanto o professor Clemente alegando não serem formados para tal atuação acabam por assumir no exercer de sua pratica educativa a posição de silenciamento perante a temática.

Refletindo sobre a prática educativa no ambiente escolar, os entrevistados ponderam ainda que:



“É importante, principalmente em disciplinas como filosofia, sociologia, língua portuguesa, biologia, buscando discutir o direito de escolha que cada cidadão tem em relação a sua opção sexual” (Juremar).


“A escola que tem que ir atrás de solucionar esse problema, não tem mais como ficar esperando. É uma questão que tem que rever, realmente e já. Agora volto a afirmar, tem que ter profissionais capacitados, para não fazer a base do eu acho, eu quero, entendeu? Não ficar na coisa empírica, simplesmente, eu que acho que é melhor assim. Para isso precisa haver uma capacitação de profissionais voltados a isso, tem que ter alguém, eu como professor de matemática, não me sinto preparado para discutir isso na sala” (Clemente).


“Deve ser inserida para que o preconceito possa ser desconstruido, quanto mais for debatido, melhor será para as pessoas. Os professores têm que se responsabilizar em disponibilizar espaços para a discussão” (Gabriela).

Acho que o papel do educador é discutir sobre todos os temas que vão favorecer o crescimento do educando, que vai contribuir para o desenvolvimento de um individuo critico, capaz de intervir na sua sociedade, capaz de respeitar todos, inclusive a si mesmo. Assim falar sobre homossexualidade, combater o preconceito religioso, étnico, sexual, deve ser um projeto de toda a escola a meu ver, nós professores devemos unir forças para que o papel que nos foi dado seja cumprido e em todos os momentos trazer o debate para nossas aulas. (Nádia).


Está colocado no depoimento do professor Juremar o entendimento de que a homossexualidade deve ser restrita a determinadas disciplinas escolares e, por conseguinte, a idéia de que deve ser trabalhada por profissionais específicos, posição que o faz implicitamente estar legitimando a não focalização institucional da temática de modo transversal, algo que está garantido nas leis educacionais. Tais práticas docentes, sob o véu da neutralidade técnica, legitimam o silenciar das diferentes “vozes” que chegam a nossas escolas.

Podemos perceber também na fala do professor Juremar a compreensão de que a homossexualidade a seu ver é uma escolha. Idéia que é compartilhada por muitos na sociedade, mas que para os grupos de defesa dos direitos homossexuais não é aceita. De acordo com Ribeiro e Francino (2007):

A única escolha que de fato o homossexual pode tomar, é a de viver a sua vida de acordo com a sua natureza, ou de acordo com o que a sociedade espera dele. É absurda a idéia de que esses indivíduos escolheriam uma vida que os leva à rejeição, tanto por parte da família, como dos amigos e da sociedade. Se pudessem, muitos evitariam a vergonha, o medo, à exposição e o isolamento (p.5).

Os professores afirmaram que a formação acadêmica não os habilitou para tal discussão, e dizem que nem mesmos em ambientes universitários é um assunto comum. A exceção da professora Gabriela, todos pontuaram nunca terem participado ou ouvido falar de cursos de formação de professor com o tema da diversidade sexual.

Foi verbalizada pelos docentes a necessidade de formação especifica para o trabalho com ás questões identitárias relativas à diversidade cultural e, em particular, a diversidade sexual, formação que os dê condições de atuar pedagogicamente com seus alunos no tocante a questão da homossexualidade.

Pode-se perceber através das falas acima, que há uma ausência de conhecimento sobre a diversidade sexual, e uma ausência de práticas escolares que incentivem o debate, e os esclarecimentos das dúvidas que minimizem a homofobia. Quando se trata de homossexualidade no ambiente escolar, fica evidente que professores e orientadores ainda não estão preparados para lidar com o tema.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo, buscou-se entender como a homossexualidade é trabalhada no meio escolar, pretendendo verificar de que forma os professores contribuem para a perpetuação ou amenização do preconceito às diferenças relativas à sexualidade. De pronto, é preciso afirmar que não se pretendeu, com o exposto, apresentar noções acabadas, mas sim idéias que conduzam ao aprofundamento e ampliação de discussão acerca da temática.

Não há duvida que a escola configura-se como um local de ampla diversidade de experiências, em que os sujeitos envolvidos no processo de educacional são sujeitos sócio-culturais com um saber, uma cultura, com um projeto de vida. Contudo, inserida no bojo de uma sociedade em que se constatam grandes desigualdades no acesso a bens econômicos e culturais por parte dos diferentes grupos, em que determinantes de classe social, raça, gênero e sexualidade atuam de forma marcante, a escola tem produzido a exclusão daqueles grupos cujos padrões étnico-culturais, de gênero, de sexualidade, não correspondem aos dominantes.

Devido ao tratamento uniforme que é dada a sexualidade dentro da escola, muitos alunos escondem dos professores, dos colegas de sala, dos funcionários, sua expressão sexual pelo receio de sofrer discriminação. Isso porque existem ainda, infelizmente, olhares que trazem consigo uma definição engessada e conservadora, de como os jovens deveriam ser e agir.
Através da pesquisa realizada se pôde constatar que sexualidade e mais especificamente, a homossexualidade são entendidas como temas necessários a serem discutidos na escola, visto o potencial que a escola tem para construção de conhecimento. Contudo faltam atores que assumam tal responsabilidade. Apesar da consciência da urgência da discussão, a mesma não é feita, e quando surge no ambiente escolar é relegada ao professor da área de Ciências Biológicas ou a um pretenso especialista.

Na escola, a discussão acerca do preconceito contra a homossexualidade deve ser vista como uma questão a ser enfrentada, trabalhada e não deixada de lado, em função de medos ou preconceito. Se o conceito de “homossexual” foi (mal) construído historicamente, pode-se, pelos mesmos caminhos, propor novos paradigmas a essa manifestação da sexualidade. Tal raciocínio vale também para a disseminação de estereótipos, já que, enquanto processo social, eles podem ser desconstruídos da mesma forma pela qual surgiram.

Se a discriminação exerce um peso negativo sobre a vida dos homossexuais, a luta para erradicá-la é mais que justa e legítima. A realização de novas pesquisas sobre esta temática é, portanto, de suma importância. Afinal, os conhecimentos produzidos podem colaborar na transformação social, na construção de uma cultura democrática de valorização da diversidade em todos os níveis.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E ELETRÔNICAS

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[1] Este artigo é parte de uma pesquisa mais ampla, realizada como monografia para conclusão do curso de Pedagogia, sob orientação do Profº. Eduardo Frederico Luedy.

[2] Licenciada em Pedagogia pela Universidade Estadual de Feira de Santana.

[3] O questionário foi utilizado porque um dos professores, o qual inicialmente tinha se disposto a seguir a proposta de entrevista, no dia marcado, alegou não sentir-se a vontade para gravar à mesma.