sábado, 12 de março de 2011

ABGLT lança Manisfesto chamando a II Marcha Nacional Contra a Homofobia

Fonte: Lista das Afiliadas da ABGLT


Manisfesto a II Marcha Nacional Contra a Homofobia
“Nada é mais forte que uma ideia cujo tempo chegou”. Vitor Hugo

Igualdade de direitos. Fim da discriminação. Fim da violência. Cidadania plena. Reconhecimento. Respeito. Essas são as nossas reivindicações. Somos milhões de brasileiras e brasileiros, ainda excluídos da democracia e ignorado pelas leis do país.

Somos lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT), de todos os cantos do país, de todas as profissões, de todos credos, de todas raças, de todos sotaques, de todas opiniões, de todas etnias, de todos gostos e culturas. Mas temos algo em comum. Não usufruímos nossos direitos pelo simples fato de termos uma orientação sexual ou identidade de gênero diferente da maioria. Somos milhões de cidadãos /ãs de “segunda classe “ em nosso Brasil.

Faz 22 anos que o Brasil se democratizou e promulgou a “Constituição Cidadã”. Entretanto, em todo esse período, nossa jovem democracia não foi capaz de incorporar a população LGBT. Até hoje não existe sequer uma lei que assegure nossos direitos civis. Não existem leis que nos protejam da violência homofóbica.

A homofobia não é um problema que afeta apenas a população LGBT. Ela diz respeito também ao tipo de sociedade que queremos construir. O Brasil só será um país democrático de fato se incorporar todas as pessoas à cidadania plena, sem nenhum tipo de discriminação. O reconhecimento e o respeito à diversidade e à pluralidade constituem um fundamento da democracia. Enquanto nosso país continuar negando direitos e discriminando lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais não teremos construído uma democracia digna desse nome.

Por essa razão é que a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais - ABGLT, convoca e coordenará todos os/as ativistas de suas 237 ONGs afiliadas e pessoas e organizações aliadas à II Marcha Nacional contra a Homofobia, a ser realizada na cidade de Brasília , em 18 de maio de 2011, com concentração às 9h, na Esplanada dos Ministérios, em frente à Catedral Metropolitana.

O dia 17 de maio é comemorado como o dia internacional contra a homofobia (ódio, agressão, violência, discriminação e até morte de LGBT). A data marca uma vitória histórica do Movimento LGBT internacional. Foi quando a Organização Mundial de Saúde retirou a homossexualidade do Código Internacional de Doenças.

Vamos a Brasília, novamente, para denunciar a homofobia, o racismo, o machismo e a desigualdade social. Temos assistido nos últimos meses ao recrudescimento da violência homofóbica, a exemplo do que ocorreu recentemente em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Ceará, no Paraná e em Minas Gerais. Chama a atenção o fato de que muitos dos agressores não pertencem a grupos de extrema-direita violentos, mas são jovens de classe média, o que demonstra como a homofobia está amplamente difundida em toda sociedade.

O Brasil está mudando. Elegemos um operário e agora uma mulher presidenta da República, que coloca como meta central de seu governo a erradicação da extrema pobreza. A sociedade brasileira não é contra o reconhecimento dos direitos LGBT. A grande oposição à cidadania LGBT vem dos fundamentalistas religiosos. Algumas denominações evangélicas e parte da igreja católica dedicam esforços imensos a atacar permanentemente a comunidade LGBT e bloquear qualquer ação que garanta direitos a essa população.

O Brasil é um país plural e diverso, que respeita todas os credos e religiões, contudo nosso Estado é laico – separamos a religião da esfera pública, isso está garantido constitucionalmente. O movimento LGBT defende a mais ampla liberdade religiosa. Respeitamos todos os credos e opiniões, mas, entendemos que crenças religiosas pertencem à esfera privada - individual ou comunitária. Religião é uma escolha, a cidadania não!

Não aceitamos que dogmas religiosos sejam usados como justificativas para o preconceito e negação de direitos aos LGBT. É preciso assegurar a laicidade do Estado e garantir o respeito à diversidade.

A II Marcha Nacional ontra a Homofobia é, portanto, um grito, um protesto, um manifesto de respeito aos direitos individuais e coletivos.

Queremos igualdade de direitos e políticas públicas de combate à homofobia. Reivindicamos que o Estado brasileiro, de conjunto (ou seja, os três poderes), e em todas as esferas da federação (União, Estado e municípios) incorporem a diretriz de combater a homofobia e promover a cidadania plena para a população LGBT.

Defendemos que:
- o Estado laico seja assegurado, sem interferência dos fundamentalismos religiosos;

- o Governo Federal acelere a implementação do Plano Nacional de Promoção dos Direitos Humanos e Cidadania de LGBT, garantindo recursos orçamentários e o necessário controle social e accountability na sua execução, promovendo a diminuição da homofobia;

- todos governos estaduais e municipais instituam : coordenadorias LGBT, Conselhos LGBT e Planos de Combate à Homofobia;

- o Congresso Nacional aprove a criminalização da homofobia (PLC 122), a união estável e o casamento civil; a alteração do prenome das pessoas transexuais, o reconhecimento do nome social das travestis;

- o Judiciário, em todos os níveis, faça valer a igualdade plena entre todas as pessoas, independente de sua orientação sexual e/ou identidade de gênero;

- o Superior Tribunal de Justiça reconheça como entidades familiares as uniões entre pessoas do mesmo sexo;
- o Supremo Tribunal Federal julgue favoravelmente às Ações que pleiteiam a união estável entre pessoas do mesmo sexo e o direito das pessoas transexuais alterarem seu prenome.


Na ocasião da II Marcha, convidamos a todas e todas para participar do VIII Seminário LGBT no Congresso Nacional, a ser realizado no dia 17 de maio – Dia Internacional Contra a Homofobia – no auditório Nereu Ramos.



Março de 2011

ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais

sexta-feira, 11 de março de 2011

8 de março

Fonte: oestopimba.blogspot.com


por Taisa Ferreira*


A sociedade ocidental é historicamente marcada pela intensa produção e reprodução de hierarquias e desigualdades pautadas nas diferenças de gênero. Assim, neste breve ensaio de escrita, nesta data (08/03) duplamente simbólica: comemoração do dia internacional das mulheres e meu aniversário - gostaria de dialogar sobre a construção social das diferenças de gênero, a posição das mulheres na sociedade ao longo dos anos no enfrentamento às desigualdades centradas nestas diferenças.


Desde o surgimento das sociedades humanas, houve a definição de papéis para os homens e para as mulheres e a divisão do trabalho foi articulada baseada no fator sexual, marcada desde sempre pela capacidade reprodutora da mulher, o fato de gerar o filho e de amamentá-lo. Na fase pré-capitalista, todos trabalhavam numa mesma unidade econômica de produção e o modelo de família era multigeracional. Segundo Adriana Bessa em seu texto O papel da mulher na sociedade, o mundo do trabalho e o mundo doméstico eram coincidentes. A função de reprodutora da espécie, que cabe à mulher, favoreceu a sua subordinação ao homem. E esta foi sendo considerada mais frágil e incapaz de assumir a direção e chefia do grupo familiar. O homem, associado à idéia de autoridade devido a sua força física e poder de mando, assumiu o poder dentro da sociedade. Assim, surgiram as sociedades patriarcais.


Com o “grande advento” das sociedades fundadas no poder masculino, a sexualidade da mulher submeteu-se cada vez mais aos interesses do homem, tanto no repasse dos bens materiais, através da herança, como na reprodução da sua linhagem. A mulher passou a ser do homem, devendo ser submissa a este.

 
Nesse sentido trago um olhar sobre a concepção de gênero como um elemento que em nossa sociedade é demarcador das relações de poder entre masculino e feminino.


A cultura reproduz tradições que sustentam as diferenças, as desigualdades e a determinação dos papeis sociais de homem e mulher se produzem e reproduzem nos mais distintos espaços sociais, construindo limites ao que cabe a cada um na atuação frente ao meio social. Sabemos que toda e qualquer desigualdade é construída culturalmente, a partir das expectativas que a sociedade institui para os sujeitos, todavia é também neste espaço de disputa de poder, de discriminações, opressões, em que a mulher corriqueiramente é inferiorizada, que a sua luta se fortalece.

 
Assim, com o desenvolvimento das sociedades industriais, a mulher das camadas populares foi submetida ao trabalho fabril. No século XVIII e XIX o abandono do lar pelas mães que trabalhavam nas fábricas levou a sérias conseqüências para a vida das crianças. A desestruturação dos laços familiares, das camadas trabalhadoras e os vícios decorrentes do ambiente de trabalho fez crescer os conflitos sociais. A revolução industrial incorporou o trabalho da mulher no mundo da fábrica, separou o trabalho doméstico do trabalho remunerado fora do lar. Eis que surge a instauração da desigualdade de condições no mundo do trabalho, haja vista que a mulher foi incorporada subalternamente ao trabalho fabril. Assim, nasceu a luta das mulheres por melhores condições de trabalho.


Ao longo da história, a sociedade nomeou (e ainda nomeia) corpos dotados e os não-dotados de poderes que são vividos, produzidos e legitimados como "naturais". Portanto somos uma sociedade dicotomizada, sendo aos homens sempre concedido uma posição de privilégios em relação à mulher, e muitas vezes as suas diferenças biológicas serviu de base para naturalização das desigualdades.


O discurso científico foi utilizado por muito tempo para lograr reforço as diferenças pautadas nas diferenças de gênero. Retomando a história da construção social do sexo veremos que até o séc. XVIII acreditava-se em sexo único e que o feminino era “imperfeito”, pois não recebera a quantidade necessária de calor vital para seu desenvolvimento completo. O que já remete ao preconceito e inferioridade da mulher.


Toda essa teoria se baseia na ciência e no estudo dos animais, já que os jacarés têm seu sexo definido pelo calor recebido. Charles Darwin dizia que o indivíduo melhor adaptado ao meio era o mais apto a perpetuar sua espécie. A própria medicina também apontava diferenças nos esqueletos masculinos e femininos e atribuía características peculiares a cada gênero. Em função de discursos como estes, as mulheres de um modo geral ainda hoje são vistas como: frágeis, meigas, consumidoras histéricas e, sobretudo: mãe! Já os homens são fortes, desbravadores, consumidores de carros ou algo que potencializa sua força, firmes, decididos e pai como reprodutor "garanhão".

Bila Sorj, estudiosa do campo do Gênero nos afirma que:

Gênero significa então que homens e mulheres são produtos da realidade social e não decorrência da anatomia de seus corpos.

O gênero é produzido e reproduzido dentro de processos de diferença e está presente em todos os níveis sociais, sejam eles, escola, religião, mercado de trabalho, política, entre outros. A socialização de gênero, que está associado à abordagem individualista, enfatiza a polarização de gênero, ou seja, a separação/fronteiras entre homens e mulheres e seus papéis na sociedade. Há uma imposição onde tudo aquilo que está associado ao homem é superior ou o que é adequado para um gênero não é para o outro.


Não é por acaso que as posições de homens e mulheres no mercado de trabalho refletem a existência de desigualdades, onde, por exemplo, postos de direção e gerência em grande parte são ocupados por homens e as diferenças salariais são bastante significativas entre homens e mulheres. E sabemos que esta divisão de tarefas acompanha a humanidade desde a sua origem, mas felizmente tem sido contestada vigorosamente nas últimas décadas.


Já no século XIX temos noticia de movimento de mulheres reivindicando direitos trabalhistas, igualdade de jornada de trabalho para homens e mulheres e o direito de voto. Com sua incorporação ao mundo do trabalho fabril a mulher passou a ter uma dupla jornada de trabalho. A ela cabia cuidar dos (as) filhos (as), dos afazeres domésticos e também do trabalho remunerado (situação ainda não muito diferente de hoje). As mulheres pobres sempre trabalharam. A remuneração do trabalho da mulher sempre foi inferior ao do homem. A dificuldade de cuidar dos (as) filhos (as) levou as mulheres a reivindicarem mais escolas, creches e pelo direito da maternidade.

 
Ao retomarmos a história perceberemos que desde muito tempo as mulheres buscam superar a situação de desigualdade que lhe foi imposta. No século XX as mulheres começaram uma luta organizada em defesa de seus direitos. A luta das mulheres contra todas as formas de opressão a que eram submetidas foi denominada de feminismo e a organização das mulheres em prol de melhorias na infra-estrutura social foi conhecida como movimento de mulheres.

 
Citando alguns exemplos de lutas das mulheres no século XX, podemos enumerar dessa forma: as mulheres que lutavam pelo acesso a educação e o direito ao exercício da intelectualidade, visto que estes eram negados ou utilizados no sentido de reforçar a submissão ou uso da mulher apenas como um adorno do marido; podemos resgatar as mulheres no processo de luta na Revolução de 1917 (a Rússia foi o primeiro ais a instituir o direito ao divórcio e ao sufrágio feminino universal); as mulheres que lutaram por direitos trabalhistas justos, dando origem ao nosso 08 de março; podemos resgatar ainda as sufragistas, que pautavam o direito de votar e serem votadas, o direito de exercer sua cidadania, a qual era restrita antes, passando pelo questionamento da assimetria de gênero, o papel que a mulher exercia na sociedade, ao confinamento na esfera doméstica.


Outro fator foi aparecimento da pílula anticoncepcional que permitiu a mulher um maior exercício de autonomia sobre seu corpo, sobre o sexo e a possibilidade de escolher e planejar o melhor momento para maternidade ou mesmo a não maternidade. As mulheres começaram a se organizar sob viés de defesas em que sinalizaram: somos diferentes, mas não desiguais. Atualmente um dos pontos de luta em que as mulheres tem se engajado é o combate a já citada, violência doméstica, a qual mesmo com a criação da Lei Maria da Penha, das delegacias especializadas, infelizmente ainda é muito comum. Paralelamente isso existe a pauta pelo pleno exercício dos direitos sexuais e reprodutivos, democratização da vivência da sexualidade e luta pela descriminalização ou legalização do aborto, bem como luta pela ampliação da participação das mulheres na vida política, a qual em nosso país ainda tem sido cercada de hierarquizações, preconceitos e discriminações.


Há um grande avanço da conquista social da mulher no que diz respeito aos direitos, todavia, há muito a ser mudado. Por exemplo: a mulher vem conquistando gradativamente seu espaço no mercado de trabalho, seu espaço no meio acadêmico, na política (afinal já temos até uma mulher na presidência), mas, e os afazeres domésticos, e a educação dos filhos e a equidade salarial e de oportunidades, e o surto cada vez maior de violência contra mulher que assola este país?

Apesar da existência de políticas públicas de saúde, educação, trabalho e renda específicas para mulher aos poucos estarem sendo construídas no sentido de garantir igualdade entre mulheres e homens, ainda assistimos cenas de barbárie onde a mulher é apenas uma mercadoria humana – sendo vendida, acorrentada, castigada e morta – assemelhando-se ao tratamento dado aos escravos na era do colonialismo.


Cabe ressaltar ainda que ao longo dos anos de enfrentamento a sua posição na sociedade a heterogeneidade que compõe as mulheres logrou também heterogeneidade nas bandeiras de luta, haja vista as lutas das mulheres negras, das mulheres lésbicas e das mulheres transexuais, das mulheres indígenas e camponesas, que trazem a tona singularidades na assunção de suas vozes.


Todavia cabe nesse cenário que se apresenta no século XXI, é preciso que o aporte emancipatório seja expandido e que cada vez mais as mulheres, jovens, meninas ou adultas vivenciem a independência feminina e a conquistemos verdadeiramente com equidade de direitos e oportunidades, fazendo com que essas conquistas cheguem a toda a mulher independente da posição financeira ou acadêmica. É essencial que cada mulher tenha construída em si a consciência sobre seu papel.


Direito ao voto, direito a educação, direito a se manifestar publicamente, direito de ir e vir, direito sobre seu corpo e sexualidade. A mulher deixou de ser tutelada e vem logrando sua emancipação rompendo as barreiras do machismo, do sexismo, lutando por contra toda forma de dominação ao seu exercício de cidadania. Claramente essas mudanças transformaram e transformam o cotidiano e comportamento de toda sociedade partindo do pressuposto de que toda mudança cultural reflete na mudança de atitudes.


Como disse lá no comecinho dessa conversa, é no cotidiano da casa, do bairro, da escola, da escola, da empresa, das cidades, que estão materializados os efeitos da dominação, da exploração e da injustiça social. E aí onde a desigualdade se reproduz como parte da existência humana, mas é aí também que os movimentos de lutas cotidianas, quase sempre invisíveis, tomam forma como parte dessa existência. A luta feminina é uma constante busca pela construção de novas bases de valores sociais e culturais, é uma luta pela verdadeira democracia, a qual deve centrar-se na equidade entre homens e mulheres fazendo avançar para a igualdade entre todos os seres humanos, suprimindo as desigualdades de classes.

Finalizo essa breve escrita, saudando a todas nós mulheres pela sempre presente força na luta por espaços equitativos. Parabenizando pelo 8 de março e lembrando que todos os dias são passiveis de serem 8 de março, uma vez que a luta é continua e cotidiana. Aproveito ainda para convidar todos os homens a se somarem a esta luta no sentido de ressignificar conjuntamente o sentido da vida em sociedade.









* Taisa é Militante do Estopim!, pedagoga e especializanda em Gênero e Sexualidade pela UERJ.