quarta-feira, 29 de outubro de 2008

ALUNOS DISCRIMINAM NEGROS, POBRES E GAYS

Pesquisa realizada pelo governo revela que o ambiente na rede pública de ensino do DF é dominado pela intolerância. Mais da metade dos alunos presenciaram cenas de discriminação por cor. Cerca de 60% testemunharam preconceito sexual e 42% já viram colegas serem insultados pela pobreza.

Mais da metade dos alunos presenciam discriminação nas escolas públicas
Erika Klingl - Correio Braziliense e Diego Amorim - Correio Braziliense
Publicação: 27/10/2008


Aluno da 7ª série do ensino fundamental, Rafael* é negro. “Só que um dia o professor chamou ele de preto de sangue ruim. Daí, ele nunca voltou para a escola”, conta o colega de turma do adolescente. “É comum eu ouvir: ‘Olha, ela veio com a mesma roupa de novo.’ E eu finjo que ignoro”, desabafa uma menina do 1º ano do ensino médio. “Aqui, se a pessoa tiver um jeito estranho já é gay e acaba sendo zoada”, afirma Carolina*, da 8ª série. Em comum, essas histórias têm o cenário — salas de aula da rede pública de ensino — e o preconceito.

“A escola é um ambiente cheio de conflitos, o que não é ruim. Mas quando eles não são mediados de forma adequada acaba resultando em violência, mesmo que simbólica”, explica a socióloga Miriam Abramovay, responsável por uma pesquisa que, pela primeira vez, diagnosticou a violência da rede pública de ensino no DF. O levantamento, feito com mais de 11 mil pessoas, entre alunos e professores, abordou o problema nas escolas de 5ª a 8ª séries do ensino fundamental e no ensino médio. A análise reflete um universo de mais de 186 mil estudantes e outros 20 mil docentes. Os dados relacionados ao preconceito são assustadores.

Nada menos que 55% dos estudantes já viram discriminação nas escolas por causa da cor e quase 13% contam que sofreram. Em números absolutos, isso representaria 24 mil adolescentes. Mas o que mais chamou a atenção dos pesquisadores foi a discriminação por causa da pobreza, sentida por 6,1% dos estudantes e vista de perto por 42%. “A gente não imagina que os números sejam tão altos”, observa Miriam. Nas entrevistas, ela ouviu expressões que a chocaram. “Assentamento Haiti é nome de rua de Santa Maria. Churrasquinho é apelido de negros.” Para a educadora Beatriz Castro, o fato preocupa. “Fica a dúvida se a escola cumpre o papel de formar cidadãos”.

Desmaio

Quando o assunto é preconceito por ser ou parecer homossexual, os casos são ainda mais freqüentes: 63% dos alunos dizem que já viram discriminação. Dos estudantes do ensino médio, 4,3% já sentiram na pele a discriminação. Maurício* foi um deles. Tanto ouviu que um dia não agüentou tanta zombaria. Durante a apresentação de dança na feira cultural do Centro de Ensino Médio 3 de Ceilândia, duas semanas atrás, até tentou abstrair os xingamentos que ouvia, os gritos de veado e baitola. Mas, quando acabou a música, desmaiou. “Ele já estava nervoso. Com o povo zoando, ficou mais ainda. Aí desceu do palco, foi andando até o fim do auditório e caiu”, descreve um aluno da 7ª série. O episódio ainda é comentado entre os estudantes. Maurício, segundo a turma, é homossexual assumido.

Os que gostam de ser os “malandrões” do colégio são os que mais zoam os colegas. Para sustentarem o status, costumam atingir os mais fracos, os negros, os gordos, os mais pobres, os baixinhos. Agridem com palavras, comentários, risadas. “O pessoal fica mangando de mim direto, me chamando de ‘limpador de aquário’, essas coisas. Mas deixo quieto. Um dia ou outro eles vão cair na real”, diz um garoto de 14 anos, 1,51m de altura, aluno da 8ª série do Centro de Ensino Fundamental 4 de Ceilândia. Na cidade em que mora e estuda, os xingamentos já foram ouvidos por 42% dos estudantes. Isso porque Ceilândia está longe de estar entre as piores. De acordo com a pesquisa, em Brazlândia e Santa Maria, metade dos estudantes costumam sofrer violência desse tipo.Auto-estima e 14º salário.

Para melhorar as relações entre professores e alunos das escolas, o governo aposta em duas estratégias. A primeira é o investimento na auto-estima dos docentes e na satisfação pessoal. Para isso, implementa, desde o início do ano, o plano de cargos e salários da categoria — que privilegia tempo de serviço, títulos e merecimento. Além disso, o governador José Roberto Arruda criou o 14º salário, que será pago a partir de 2009, para os professores e servidores que trabalham nas escolas que cumprirem metas de qualidade de ensino e gestão.
No combate à discriminação nas salas de aula, a estratégia é incluir os temas relacionados às minorias nas matérias ensinadas nas escolas. “A história da África, por exemplo, pode fazer parte do conteúdo de português, geografia, história, sociologia”, explica a secretária-adjunta de Educação, Eunice Oliveira. Os conceitos são passados, de acordo com ela, de forma transversal, ou seja, permeando a teoria. “O mesmo pode ser feito com outras temáticas ligadas aos direitos humanos.” (EK e DA)


Prejuízo claro ao aprendizado

A insegurança no ambiente escolar reflete no bem-estar de todos os personagens do sistema de ensino. Os números são alarmantes. Por parte dos professores, 43% afirmam que não se sentem respeitados, ao passo que 38,7% dizem ter espaço para dizer o que pensam. E o pior: 79% declaram que não se sentem realizados profissionalmente. É só acompanhar a história de um professor de Brazlândia que pediu para não ter o nome divulgado para entender o que significam os indicadores. O quadro de saúde dele se agravou depois de ser alvo de agressões de alunos. Ele sofre de pressão alta, toma remédio controlado e, por isso, anda meio sonolento.
Em um dia de prova, depois de distribuir as questões, o professor não suportou o cansaço e dormiu na carteira. Alguns alunos não perdoaram: o xingaram de gordo, lerdo, careca. O professor chorou, passou mal e saiu da sala. “Fazem isso para chamar atenção da turma. Para o pessoal comentar: ‘Olha, ele enfrenta até o professor’”, comenta uma aluna de 16 anos, do 1º ano.


No ano passado, outro professor, dessa vez do Centro de Ensino Médio 417, de Santa Maria, encontrou motivos para se sentir insatisfeito no ambiente de trabalho. Uma aluna não gostou de ter sido repreendida por ele e apelou. Pegou a mesa e, descontrolada, jogou-a em direção ao docente. Ela foi expulsa, mas, segundo estudantes do colégio, já voltou à sala de aula. Na mesma escola, ainda no ano passado, outro professor levou um tapa em sala. O agressor também reagiu a uma repressão. “A gente já se acostumou com esse ambiente. Tem que acostumar”, comenta uma estudante de 14 anos, do 1º ano. “Mas para quem está de fora, ouvir esse tipo de coisa deve ser estranho mesmo”, completa a colega de turma dela, de 16 anos.

Ambiente pesado

As ofensas e agressões, que muitas vezes são físicas, pesam no aprendizado. A percepção é de professores e alunos: 42% dos estudantes reconhecem que o clima de violência reduz a qualidade da aula e quase 40% admitem dificuldade em se concentrar. Fora os 39,8% que não sentem vontade de ir à escola. Entre os professores, os índices de resposta a essas perguntas foram maiores: 71% acreditam que, com a violência, o ambiente da escola fica pesado; 67,6% afirmam que a qualidade das aulas diminui; 64,8% acreditam que os alunos não se concentram nos estudos e 55,1% dos professores afirmam que os alunos não sentem vontade de ir à escola devido à violência. (EK e DA)

*Nomes trocados para proteger os alunos

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

PERCEPÇÕES DA PRÁTICA EDUCATIVA EM RELAÇÃO À HOMOSSEXUALIDADE NO MEIO ESCOLAR[1]




Taisa de Sousa Ferreira[2]
taysynha18@gmail.com



O presente trabalho refere-se a um estudo realizado sobre a compreensão e a prática pedagógica de professores em relação à homossexualidade. Tal estudo objetivou discutir a formação docente acerca das questões que envolvem a diversidade sexual. Para tanto, buscou verificar como a homossexualidade era considerada/discutida numa escola pública de Feira de Santana, buscando verificar se (e de que forma) os professores contribuíam para a perpetuação do preconceito ou para o respeito às diferenças relativas à sexualidade. A pesquisa realizada demonstrou que apesar de se caracterizar como algo importante, a discussão da homossexualidade nas escolas, ainda hoje é quase inexistente. Assim, no sentido de ressaltar a importância de que posturas sejam repensadas no espaço educacional, o presente estudo apresenta discussões sobre a diversidade cultural, a sexualidade na escola e as construções do gênero e da sexualidade enquanto questões sociais urgentes, além de uma abordagem sobre as bases legais que fundamentam o trabalho com a diversidade sexual.


Palavras - chave: Homossexualidade, diversidade sexual, práticas educativas, escola.


INTRODUÇÃO

A instituição escolar tem o papel fundamental de proporcionar ao indivíduo um ambiente favorável para a aprendizagem, de modo que ocorra o desenvolvimento das condições intelectuais, bem como a construção de uma cidadania crítica e solidária. Constitui, no imaginário coletivo, o espaço privilegiado para formação da criança, do adolescente e do jovem. Seu papel é entendido como devendo ir além da socialização do conhecimento. Dela se espera também que socialize hábitos de relações intersubjetivas de paz, que ao se entrelaçarem no tecido social, confiram sustentação ao exercício dos direitos e deveres no convívio dos indivíduos e das comunidades.

Segundo Andrade (2004), evocando os Parâmetros Curriculares Nacionais, a prática administrativa e pedagógica do sistema de ensino está sob a proteção de três recomendações: estética da sensibilidade, política da igualdade e a ética da identidade. Nesse sentido, a escola enquanto espaço de formação necessita incorporar no seu espaço a discussão acerca da diversidade da cultura humana, a fim de não reforçar a exclusão das minorias.

Na sociedade contemporânea, num contexto em que o conhecimento cientifico e tecnológico é cada vez mais valorizado, em que a força de trabalho esta cada vez mais dividida, e os interesses capitalistas determinam em muitas instâncias a forma de viver dos sujeitos, cabe à educação, formar cidadãos críticos que sejam capazes de transformar sua relação com o meio social, num determinado contexto de relações entre grupos e classes sociais.
Segundo Gadotti, citado por Fernandes (2005):


[...] a diversidade cultural é a riqueza da humanidade. Para cumprir sua tarefa humanista, a escola precisa mostrar aos alunos que existem outras culturas além da sua. Por isso, a escola tem que ser local, como ponto de partida, mas tem que ser internacional e intercultural, como ponto de chegada. [...] Escola autônoma significa escola curiosa, ousada, buscando dialogar com todas as culturas e concepções de mundo. Pluralismo não significa ecletismo, um conjunto amorfo de retalhos culturais. Significa sobretudo diálogo com todas as culturas, a partir de uma cultura que se abre às demais (p.67).


Assim, a escola não pode se calar em face do contexto plural, multicultural das sociedades onde se insere, nem face às implicações éticas de suas formulações na formação de cidadãos. O educador deve enxergar as escolas como locais econômicos, culturais e sociais que estão interligados às questões de poder e controle, as quais através de sua prática pedagógica devem dar condições aos seus alunos para que estejam criticamente atentos à origem histórica e socialmente construída dos seus conhecimentos e experiências.

As questões do multiculturalismo, de etnia, de gênero, da identidade, do poder, do conhecimento, da ética e do trabalho, não podem ser ignorados pelos educadores, pois os mesmos exercem um importante papel na definição do significado e do objetivo da escolarização, sobre o que é ensinar, sobre a forma de que os estudantes devem ser ensinados para viver num mundo que a cada dia é mais percebido como espaço de disputa.

Como afirma Louro (1999),
a escola é uma entre as múltiplas instâncias sociais que exercitam uma pedagogia da sexualidade e do gênero, colocando em ação várias tecnologias de governo. Esses processos prosseguem e se completam através de tecnologias de autodisciplinamento e autogoverno exercidas pelos sujeitos sobre si próprios, havendo um investimento continuado e produtivo desses sujeitos na determinação de suas formas de ser ou "jeitos de viver" sua sexualidade e seu gênero.

Por compreender a escola como um dos mais importantes locais no que diz respeito ao convívio social da criança e do adolescente, por ser um lugar em que se aprende sobre a cultura das diversas sociedades, enfim por entender que a principal responsabilidade da escola é formar cidadãos, fazendo-os reconhecer sua identidade, avaliando que para cumprir seu papel de educar, ela precisa respeitar a todos, sendo assim não deve isentar-se de favorecer a construção de determinados valores nos seus alunos para que as práticas de convivência social, na família, na escola, no trabalho ou em locais de lazer sejam as melhores possíveis, considerando que em relação à homossexualidade há ainda muitos preconceitos e entendendo a instituição escolar como reflexo da vida cotidiana, mas também como local de múltiplas transformações, esse estudo buscou construir um olhar sobre como à diversidade sexual vem sendo tratada no cotidiano escolar.

Trata-se de um estudo envolvendo estratégias metodológicas qualitativas, realizado em uma escola de ensino fundamental e médio em Feira de Santana. Na primeira etapa, foi apresentada a proposta de estudo aos docentes da escola (objeto de estudo), depois foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com quatro docentes, cujos resultados embasaram a construção um olhar acerca da maneira como a diversidade sexual e a sexualidade são trabalhadas no ambiente educativo escolhido.

Neste artigo é apresentado um panorama da prática educativa e da compreensão dos docentes de uma escola pública de Feira de Santana em relação à homossexualidade. Pretendeu-se, portanto, verificar como a homossexualidade era considerada/discutida, buscando verificar se (e de que forma) os professores contribuíam para a perpetuação do preconceito ou para o respeito às diferenças relativas à sexualidade.


MÉTODO

O contato com o colégio objeto de pesquisa iniciou-se através da vice-diretora do turno matutino do colégio escolhido, a qual intermediou o contato com professores da unidade escolar. Na perspectiva de conhecer possíveis ações pedagógicas e curriculares no cotidiano escolar em relação à homossexualidade, a proposta do estudo (a descrição do tema e do objetivo da pesquisa) foi apresentada individualmente aos professores e a seguir foram marcadas entrevistas com os interessados.

Foram entrevistados quatro professores (dois homens e duas mulheres) com faixa etária entre 23 e 45 anos, dois ocupantes do cargo de vice-diretor, formados nas áreas de Matemática, Física, Geografia e Ciências Biológicas, docentes de uma escola pública de médio porte que atende ao ensino fundamental e médio, localizada no Conjunto Feira VI, em Feira de Santana. A decisão de escolher dois professores de cada sexo sustenta-se no objetivo de perceber os diferentes olhares e práticas de acordo com o gênero do docente, buscando fazer uma breve comparação com a pesquisa da Unesco sobre juventudes e sexualidades.

Os dados foram produzidos mediante o dialogo informal, a realização de entrevistas semi-estruturada e o preenchimento de questionário. Foram realizadas três entrevistas registradas em áudio e o preenchimento de um questionário.
[3]

No momento da realização das entrevistas foi enfatizado pela pesquisadora, que o nome de cada participante seria mantido em sigilo, ou seja, seriam substituídos por nomes fictícios. Foi esclarecido, também, que não eram esperadas "respostas certas" por parte dos (as) participantes, mas sim as suas opiniões e posicionamentos pessoais em relação às questões abordadas.

Foi elaborado, inicialmente, um quadro com todas as entrevistas realizadas. Tal quadro consistiu na realização de comentários sintéticos e na transcrição das entrevistas, foram selecionados trechos considerados interessantes ou significativos das entrevistas. Buscou-se, na transcrição das entrevistas, integrar às verbalizações os elementos paralingüísticos
(como, por exemplo, a ênfase em certas palavras), visando o enriquecimento da análise e possibilitando uma maior compreensão da dimensão metacomunicativa (relacional) presente no momento da entrevista.

A análise das entrevistas buscou, nas narrativas dos (as) participantes, evidenciar compreensão e a prática pedagógica de professores em relação à homossexualidade, procurando visualizar a formação docente à cerca das questões que envolvem a diversidade sexual, e verificar se (e de que forma) os professores contribuem para a perpetuação do preconceito ou para o respeito às diferenças relativas à sexualidade. As análises foram orientadas a partir das seguintes categorias temáticas: (a) a formação do professor, (b) a compreensão sobre o papel do educador, (c) a homossexualidade, (d) o preconceito, (e) o trabalho em sala de aula envolvendo a discussão acerca da homossexualidade.


RESULTADOS E DISCUSSÃO

O estudo realizado demonstrou que apesar de se caracterizar como algo importante, a discussão da homossexualidade nas escolas, ainda hoje é quase inexistente. O papel que a escola tem assumido perante a homossexualidade e as situações que a envolvem, tem sido do ocultamento, o da omissão ou negação.

O preconceito é um fenômeno que apresenta sua gênese no universo simbólico da cultura, nas relações de poder que atravessam as diversas instâncias da sociedade, apresentando, portanto, uma dimensão coletiva. Por outro lado, considerando a gênese social do desenvolvimento individual, o preconceito traz implicações no plano das interações sociais e no plano subjetivo, na forma como o sujeito vivencia, em termos cognitivos e afetivos, as suas experiências cotidianas, organiza a sua compreensão sobre si mesmo e sobre o mundo social em que está inserido.

A negação assumida pelas instituições escolares é profundamente ofensiva aos homossexuais, visto que para eles, sua aparente não-existência na escola e o silêncio estruturado em torno de sua identidade sexual contribuem para que os mesmos só se reconheçam como indesejados ou desviantes.

Além disso, constatou-se a existência de discriminação e preconceito contra homossexuais na escola e sua manifestação através de diversas formas. Podemos afirmar, inclusive, que esta constatação é o denominador comum de todas as entrevistas realizadas.

Foram relatados apenas conflitos nas relações entre alunos, nenhum docente afirmou ter vivenciado ou visto conflito nas interações entre professor e aluno. Vale ressaltar que a maioria das situações relatadas estaria relacionada a violências verbais para com os/as alunos as) considerados homossexuais

Os entrevistados afirmam que o preconceito pelos jovens se dá em função de questões culturais em especial pelo não estimulo e não ensino do respeito ao outro na educação. Observemos as falas:

“Na nossa sociedade, o menino foi criado desde bebê para ser o homem ser macho e mulher para ser fêmea, você nunca dá para sua filha de um ou dois anos, uma bola, você não dá boneca ao seu filho. Você não enche seu filho de bichinho de pelúcia. Para a menina, você compra o quartinho rosa e você arruma em azul o do menino, e o da menina rosa, você é criado para ser sexos separados. Homem é homem, mulher é mulher, quando ele se depara, onde homem faz o papel de mulher, há um choque e ai todo esse motivo desse preconceito, e outro detalhe importante, enquanto seres humanos, nós não somos educados, principalmente na fase da infância a respeitar as escolhas dos outros, nós somos criados para ser egoístas”. (Clemente)


Na fala do professor Clemente vemos sua compreensão acerca da existência do preconceito. Para ele, principalmente quanto à forma como é construída a identidade de gênero na nossa sociedade, e como os homens e mulheres têm seus papeis separados, são elementos determinantes para que o preconceito faça parte do cotidiano dos seres humanos.

A professora Nádia diz que:

Eu acho que isso passa por uma questão ainda de formação, em geral o jovem não é educado para ser sensível, então quando ele descobre que um colega dele é homossexual, para ele é um choque, porque ele não foi criado para isso. Precisamos de uma cultura de educação voltada para o respeito mutuo de todos. Esse preconceito que vemos é cultural, contra o branco, o negro, o homem, a mulher, isso foi largamente desenvolvido, há alguns anos vem sendo melhorado né, mas ainda tem muita coisa a ser feita.

Em geral, os professores demonstraram discordar de praticas preconceituosas, destacando a importância do respeito ao outro, do respeito à diferença, mas em alguns momentos pode ser percebido algumas concepções que evidenciam o preconceito disfarçado. Tomemos como exemplo a fala do professor Clemente:

“há alguns bons anos atrás, era um tabu muito grande, então você tinha uma sociedade que reprimia que condenava até certo ponto essa “marginalização” do ser humano homossexual. Nos últimos 10 a 15 anos, a sociedade passou a entender que, a comunidade homossexual é grande, ela é economicamente ativa, há interesses financeiros, interesses políticos, interesses diversos, e passaram a aceitar essa comunidade, como sendo algo que você realmente não tem mais como fingir que não existe [...] hoje há uma grande abertura, de certa forma, não sei se favorável ou não, você vê toda novela, todo programa de tv, existe o caso do homossexualismo, como sendo algo normal, aceito, compreensível, nada demais, e isso pode estar fazendo com que muitos jovens que antes tinham essa predisposição reprimida, hoje eles estão aflorando assim de forma alarmante e de certa forma preocupante. Porque você tem um jovem que ele não tem uma formação moral ainda muito cedo não tem a formação psicológica adequada, e ele se encaminha por esse caminho, eles vão e muitas vezes pela falta de experiência, porque alguém chamou, porque alguém indicou, lhe deu um pouco do carinho que falta em casa, essa atenção, esse cuidado, então é um problema, acho muito grave, reprimir como se reprimia há 40 anos atrás. Não se pode mais. Mas talvez se incentivar essa cultura, como eu acho que esta sendo incentivada, talvez não seja o caminho, a gente precisa muito discutir sobre isso, analisar e ter realmente ter uma cautela no trabalho”. Clemente – nome fictício [ grifos meus]

É interessante notar que na mesma medida em que ressalta a importância de um despertar da sociedade para a existência dos homossexuais como sujeitos constituintes da mesma, como sujeitos possuidores de uma história, o professor Clemente demonstra certo receio, preocupação no que diz respeito à ampliação da discussão acerca da homossexualidade na sociedade e as conseqüências e sutilmente expõe seu preconceito.

Britzman citada por Louro (1997) afirma que:


Muitas pessoas têm medo de que a mera menção da homossexualidade vá encorajar práticas homossexuais e vá fazer com que os jovens se juntem as comunidades gays e lésbicas (p.138).

A autora diz ainda que a preocupação, exemplificada na fala do professor Clemente, reflete a idéia de que a simples discussão vai promover recrutamento de jovens inocentes ao mundo homossexual. A impressão é a de que o não saber sobre o tema seria talvez uma garantia de que o (a) estudante irá “preferir” ser heterossexual

Em momentos de conflitos, muitos educadores, apenas observam as situações sem discutir ou tentar viabilizar através de sua pratica educativa soluções que envolvam instrumentos que viabilizem mudanças de postura no que diz respeito ao comportamento preconceituoso.
Martins (2001) afirma que os educadores tendem a defender condutas que condizem com os comportamentos considerados aceitáveis pela sociedade, muito embora a maioria dos professores concorde com a introdução de temas contemporâneos no currículo, tais como prevenção às drogas, saúde reprodutiva, muitos continuam a tratar a homossexualidade como doença, perversão ou deformação moral. Dizem lidar com a questão da homossexualidade de maneira natural, dizendo encarar a expressão sexual dos estudantes como um fator natural, mas na realidade buscam disfarçar o preconceito.

O preconceito disfarçado pode ser observado, por exemplo, na fala do professor Juremar quando questionado sobre sua compreensão acerca da existência da discriminação a homossexualidade:

Uma serie de coisas não se muda em dez anos ou cinco anos, você tem que levar sei lá toda uma geração e mais gerações, fazer um trabalho lento, muito lento, para mudar toda uma estrutura de vida, ta sendo alterado graças a deus, mas ainda falta muito, a mesma coisa com o preconceito com homossexualismo, hoje você já consegue ver digamos assim...um homossexual na rua e não se espantar, né... antigamente você via e se espantava, hoje você vê que o numero de homossexuais está crescendo muito...não é porque eles não existiam, hoje eles já se dão ao direito de se expressar seus sentimentos”. [grifos meus]

Depreende-se, pois, que, apesar de julgar importante a perspectiva de mudança da postura na sociedade em relação aos homossexuais, o professor coloca a homossexualidade como algo fora do normal.

De modo geral, pôde ser observado que quando os professores decidem falar sobre homossexualidade, fazem de maneira superficial e pouco influenciam a maneira que os adolescentes encaram suas questões e conflitos.

Quando perguntados se discutem ou já discutiram temas associados à sexualidade ou a homossexualidade nas suas aulas, os professores deram o seguinte depoimento:

“Não, pois não faz parte dos conteúdos da minha disciplina” (Juremar – professor de física).

“Muito pouco, e de forma informal com um pequeno grupo, porque não é de minha formação, da minha disciplina” (Clemente – professor de matemática).


Dois aspectos podem ser destacados no depoimento dos entrevistados: o entendimento dos mesmos de que por atuarem com disciplinas da área de exatas a discussão acerca da homossexualidade não pode ser abordada nas suas aulas; e a utilização da conversa informal como medida pedagógica para evitar a discriminação.

Observa-se na reflexão dos entrevistados, que tanto o professor Juremar quanto o professor Clemente alegando não serem formados para tal atuação acabam por assumir no exercer de sua pratica educativa a posição de silenciamento perante a temática.

Refletindo sobre a prática educativa no ambiente escolar, os entrevistados ponderam ainda que:



“É importante, principalmente em disciplinas como filosofia, sociologia, língua portuguesa, biologia, buscando discutir o direito de escolha que cada cidadão tem em relação a sua opção sexual” (Juremar).


“A escola que tem que ir atrás de solucionar esse problema, não tem mais como ficar esperando. É uma questão que tem que rever, realmente e já. Agora volto a afirmar, tem que ter profissionais capacitados, para não fazer a base do eu acho, eu quero, entendeu? Não ficar na coisa empírica, simplesmente, eu que acho que é melhor assim. Para isso precisa haver uma capacitação de profissionais voltados a isso, tem que ter alguém, eu como professor de matemática, não me sinto preparado para discutir isso na sala” (Clemente).


“Deve ser inserida para que o preconceito possa ser desconstruido, quanto mais for debatido, melhor será para as pessoas. Os professores têm que se responsabilizar em disponibilizar espaços para a discussão” (Gabriela).

Acho que o papel do educador é discutir sobre todos os temas que vão favorecer o crescimento do educando, que vai contribuir para o desenvolvimento de um individuo critico, capaz de intervir na sua sociedade, capaz de respeitar todos, inclusive a si mesmo. Assim falar sobre homossexualidade, combater o preconceito religioso, étnico, sexual, deve ser um projeto de toda a escola a meu ver, nós professores devemos unir forças para que o papel que nos foi dado seja cumprido e em todos os momentos trazer o debate para nossas aulas. (Nádia).


Está colocado no depoimento do professor Juremar o entendimento de que a homossexualidade deve ser restrita a determinadas disciplinas escolares e, por conseguinte, a idéia de que deve ser trabalhada por profissionais específicos, posição que o faz implicitamente estar legitimando a não focalização institucional da temática de modo transversal, algo que está garantido nas leis educacionais. Tais práticas docentes, sob o véu da neutralidade técnica, legitimam o silenciar das diferentes “vozes” que chegam a nossas escolas.

Podemos perceber também na fala do professor Juremar a compreensão de que a homossexualidade a seu ver é uma escolha. Idéia que é compartilhada por muitos na sociedade, mas que para os grupos de defesa dos direitos homossexuais não é aceita. De acordo com Ribeiro e Francino (2007):

A única escolha que de fato o homossexual pode tomar, é a de viver a sua vida de acordo com a sua natureza, ou de acordo com o que a sociedade espera dele. É absurda a idéia de que esses indivíduos escolheriam uma vida que os leva à rejeição, tanto por parte da família, como dos amigos e da sociedade. Se pudessem, muitos evitariam a vergonha, o medo, à exposição e o isolamento (p.5).

Os professores afirmaram que a formação acadêmica não os habilitou para tal discussão, e dizem que nem mesmos em ambientes universitários é um assunto comum. A exceção da professora Gabriela, todos pontuaram nunca terem participado ou ouvido falar de cursos de formação de professor com o tema da diversidade sexual.

Foi verbalizada pelos docentes a necessidade de formação especifica para o trabalho com ás questões identitárias relativas à diversidade cultural e, em particular, a diversidade sexual, formação que os dê condições de atuar pedagogicamente com seus alunos no tocante a questão da homossexualidade.

Pode-se perceber através das falas acima, que há uma ausência de conhecimento sobre a diversidade sexual, e uma ausência de práticas escolares que incentivem o debate, e os esclarecimentos das dúvidas que minimizem a homofobia. Quando se trata de homossexualidade no ambiente escolar, fica evidente que professores e orientadores ainda não estão preparados para lidar com o tema.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo, buscou-se entender como a homossexualidade é trabalhada no meio escolar, pretendendo verificar de que forma os professores contribuem para a perpetuação ou amenização do preconceito às diferenças relativas à sexualidade. De pronto, é preciso afirmar que não se pretendeu, com o exposto, apresentar noções acabadas, mas sim idéias que conduzam ao aprofundamento e ampliação de discussão acerca da temática.

Não há duvida que a escola configura-se como um local de ampla diversidade de experiências, em que os sujeitos envolvidos no processo de educacional são sujeitos sócio-culturais com um saber, uma cultura, com um projeto de vida. Contudo, inserida no bojo de uma sociedade em que se constatam grandes desigualdades no acesso a bens econômicos e culturais por parte dos diferentes grupos, em que determinantes de classe social, raça, gênero e sexualidade atuam de forma marcante, a escola tem produzido a exclusão daqueles grupos cujos padrões étnico-culturais, de gênero, de sexualidade, não correspondem aos dominantes.

Devido ao tratamento uniforme que é dada a sexualidade dentro da escola, muitos alunos escondem dos professores, dos colegas de sala, dos funcionários, sua expressão sexual pelo receio de sofrer discriminação. Isso porque existem ainda, infelizmente, olhares que trazem consigo uma definição engessada e conservadora, de como os jovens deveriam ser e agir.
Através da pesquisa realizada se pôde constatar que sexualidade e mais especificamente, a homossexualidade são entendidas como temas necessários a serem discutidos na escola, visto o potencial que a escola tem para construção de conhecimento. Contudo faltam atores que assumam tal responsabilidade. Apesar da consciência da urgência da discussão, a mesma não é feita, e quando surge no ambiente escolar é relegada ao professor da área de Ciências Biológicas ou a um pretenso especialista.

Na escola, a discussão acerca do preconceito contra a homossexualidade deve ser vista como uma questão a ser enfrentada, trabalhada e não deixada de lado, em função de medos ou preconceito. Se o conceito de “homossexual” foi (mal) construído historicamente, pode-se, pelos mesmos caminhos, propor novos paradigmas a essa manifestação da sexualidade. Tal raciocínio vale também para a disseminação de estereótipos, já que, enquanto processo social, eles podem ser desconstruídos da mesma forma pela qual surgiram.

Se a discriminação exerce um peso negativo sobre a vida dos homossexuais, a luta para erradicá-la é mais que justa e legítima. A realização de novas pesquisas sobre esta temática é, portanto, de suma importância. Afinal, os conhecimentos produzidos podem colaborar na transformação social, na construção de uma cultura democrática de valorização da diversidade em todos os níveis.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E ELETRÔNICAS

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[1] Este artigo é parte de uma pesquisa mais ampla, realizada como monografia para conclusão do curso de Pedagogia, sob orientação do Profº. Eduardo Frederico Luedy.

[2] Licenciada em Pedagogia pela Universidade Estadual de Feira de Santana.

[3] O questionário foi utilizado porque um dos professores, o qual inicialmente tinha se disposto a seguir a proposta de entrevista, no dia marcado, alegou não sentir-se a vontade para gravar à mesma.